Michelangelo Antonioni e a História do Cinema (III) - a morte das obras de Autor
Política

Michelangelo Antonioni e a História do Cinema (III) - a morte das obras de Autor


Giuliana (no Deserto Rosso): “Ma cosa vogliono che faccia coi miei occhi?...Cosa devo guardare?
Corrado: “Tu dici: cosa devo guardare? Io dico: come devo vivere? E la stessa cosa









Se queres Viver vai ao Cinema
François Truffaut

E pegando na frase inspirada em Antonioni, foi isso mesmo que a geração do pós-guerra fez. Foi ao Cinema (“as Luzes da Cidade”, Chaplin). Foi no cinema (“A Grande Ilusão”, Renoir) que apreendemos o mundo (“Hamlet”, Olivier) – em sucessivas colagens maravilhosas de matinées fumarentas, nevoeiro através do qual (“To Be or Not To Be”, Lubistch) víamos principalmente, em lugar de destaque, o desfilar de estórias sobre formidáveis ladrões e justiceiros, todos eles, gangs foragidos em busca de liberdade, irmanados no objectivo comum de construirem um novo mundo ("Birth of a Nation", D.W.Griffith) ou de abjectos facínoras aristocratas tisnados pelo sol, e de cruz às costas, no caso dos hispânicos (“Aguirre”, Herzog). Vimos o herói solitário que cavalga na vanguarda da tribo de exploradores (Cavalgada Heróica, Ford), sobre cuja sombra se fecha a porta após a conquista da estabilidade (The Searchers) o grito de criança pelo medo de abandono do conhecimento sobre o mundo imenso ("Shane", Stevens), a gota de sangue que cai dentro do copo do borrachon incapaz de servir uma justiça impossivel ("Rio Bravo"), a sofisticação da sêde do mal ("Touch of Evil", Welles), a pirataria comandada a partir dos off-shores ("Captain Blood", Curtiz) aceitando como única a parte que os grandes impérios empresariais da comunicação profissional lhe contam ("Citizen Kane"). As bandeiras vermelhas censuradas na exibição nos EUA (“1900”,Bertolucci); enfim, a perda generalizada da vergonha (“o Auto do Vigário”, Fellini)
E quem não lhe deu ("Singing in the Rain", Donen) para pesquisar a vida entre este tipo de exemplos seleccionados, vegetou por entre uma mundividência fantástica, ("Dogville", Lars von Triers) mormente pensando, quando cavalgando ao longe vislumbrava o Gary Cooper ou o John Wayne montados como se fossem um só nos seus cavalos, que os minotauros de facto existiam. ("Paths of Glory", Kubrick)





(mosaicos na Villa Adriana, Tivoli, Roma - em luta contra a selvajeria da Natureza: nenhuma concessão a Rousseau)

Exacto, esse mesmo Wayne, cavalgadura ("Apocalypse Now", Coppola) que se notabilizou por uma tirada famosa: “que o extermínio dos “índios” nativos americanos foi um “mal necessário” face à imperiosa necessidade de conquista de espaço vital para a civilização”.

Foi desse entendimento hollywoodesco como a coisa mais próxima do que seria qualquer obra cultural que alguma vez lhes passou sob as pencas elitistas judaicas, que os modernos esbirros do Império extrairam a filosofia de vida dos animais mirabolantes que pensam com os cascos militares – método desmentido décadas mais tarde pelo negócio de retorno às origens (Dança com Lobos, Costner) um olhar do lado de lá do espelho saído directamente da ancestral “Ghost Dance” dos extintos Lakota do chefe Big Foot que estavam a ser egoístas para com aqueles que precisavam de terras (como agora se precisa de petróleo). Ou seja, agora que somos todos índios, começamos finalmente a perceber a parte do mundo que nos tinha sido deliberadamente ocultado. Antes disso já Barthes e Foucault tinham declarado a morte do Autor. Guy Debord chegou mesmo a produzir um manifesto contra o próprio Cinema (Contre le Cinema) – leia-se, contra as pipocarias multiplex propriedade das indústrias da kultura – ou da arte de fazer esquecer o essencial. Desapareceram Antonioni e Bergman mas todos nos consideramos agora herdeiros das obras de Autor; aliás, no copyright socializado da era da comunicação globalizada pelas novas tecnologias, emissores e receptores, somos todos autores. (“Do the Right Thing”, Spike Lee). Por isso a ideia de Cinema que temos continuará viva.

Ingmar Bergman, "O Sétimo Selo" – derrotar a morte num jogo de xadrez - nenhuma contemplação, guerra sem quartel contra os penitentes da ignorância mística

relacionado:
Roland Barthes, "The Death of the Author & From Work to Text". O fim do Autor como fundamento da evolução do mundo
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