Míriam Leitão - Dia coreano
Política

Míriam Leitão - Dia coreano




PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
10/9/2008

O dia ruim de ontem nasceu na Coréia. Quando o Korean Development Bank, aconselhado pelo regulador do mercado, decidiu não injetar dinheiro no Lehman Brothers, as ações do banco despencaram e deram o tom de crise. Hoje o pessimismo deve continuar. Aqui, o Banco Central vai subir os juros. A maioria aposta em 0,75 ponto percentual. Se for, será um erro. Deveria começar a reduzir o ritmo de alta.

Uma nova alta de 0,75 p.p. é a aposta de 10 em cada 10 economistas. Melhor faria o BC se aumentasse num ritmo menor, em 0,5 p.p., por exemplo. Não porque as bolsas estão despencando, mas porque a inflação está cedendo, as commodities caindo forte e os juros já subiram 1,75 ponto percentual nesta temporada de alta.

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que também acredita numa alta de 0,75 ponto percentual, disse que está começando uma retração de crédito.

- Os bancos vão começar uma forte queda no corte do crédito e grandes empresas não estão conseguindo fechar operações.

Hoje sairá um bom número do PIB do segundo trimestre, mas a alta dos juros vai reduzir o crescimento nos próximos trimestres. Se houver uma redução da oferta de crédito, a redução pode ser mais forte.

O BC fez a coisa certa e iniciou o ciclo de aperto monetário. Mas ele tem que perseguir a menor inflação que consegue, ao menor custo do produto. Já se sabe que a alta praticada de juros reduzirá o crescimento nos próximos trimestres. O quarto trimestre deste ano e o primeiro de 2009 devem mostrar o efeito da atual alta de juros. A inflação está cedendo e o último IPCA trouxe deflação de alimentos. Diante disso, uma redução do ritmo de elevação das taxas de juros passaria duas informações: o BC continua atento, tanto que elevou de novo os juros para continuar o aperto monetário; o país está começando a colher o resultado desse aperto.

O dia de ontem exibiu as fraturas da crise e o quanto o mundo está longe do fim do furacão subprime, que começou há um ano; e o quanto a maioria dos analistas simplesmente a subestimou. A primeira reação de euforia com a estatização da Fannie Mae e da Freddie Mac durou apenas um pregão. Logo depois, a realidade se impôs.

- Se eles tivessem feito tudo isso meses atrás, a reação seria diferente. Agora, a crise já se aprofundou muito - disse Mendonça de Barros.

Álvaro Bandeira, da Ágora, explicou que a Bovespa cai mais por causa da queda das commodities.

- Vale, Petrobras e siderúrgicas são 50% do índice Bovespa e por isso sentem. A Petrobras já caiu 40% e a Vale 43% desde o pico. Isso apesar de a Petrobras ter tido um ótimo balanço trimestral, a Vale estar negociando aumento de preço para seus produtos - disse Álvaro.

A queda das commodities foi mesmo impressionante. A conta feita para a coluna pela Gap mostra o seguinte: petróleo: queda de 30% desde 2 de julho. Ouro: queda de 22% desde 14 de março. Alumínio: queda de 21% desde 11 de julho. Cobre: queda de 22% desde 4 de julho. Soja: queda de 27% desde 3 de julho. Milho: queda de 30% desde 27 de junho. Trigo: queda de 44% desde 27 de fevereiro.

Essas quedas vão ter impacto deflacionário nas economias, porque foram exatamente as altas que pressionaram a inflação no mundo inteiro. O dólar está subindo no mundo, mas seu impacto inflacionário será neutralizado pela queda das commodities.

Para Álvaro Bandeira, o mercado ainda está nervoso, o que aumenta a procura por negócios mais seguros.

- A bolsa já caiu muito, mas o mercado ainda está nervoso. A aversão ao risco é grande, o que pode fazer com que os índices cheguem a patamares mais baixos. Há negócios atraentes, mas precisa que o mundo se acalme.

Calma é difícil quando há perdas tão grandes. Hoje saem do cálculo da S&P os dois mamutes hipotecários: Fannie Mae e Freddie Mac. No primeiro dia depois da intervenção, as ações da primeira caíram 90% e da segunda, 83%. Esses números, em palavras, querem dizer que elas viraram pó.

Os bastidores da preparação da operação de resgate mostram o quanto a China está envolvida na confusão americana. O Banco da China é o maior detentor de títulos dos dois bancos, teria meio trilhão de dólares em papéis das duas. Por isso é que, enquanto preparavam o pacote, autoridades americanas e chinesas trocaram intensos e nervosos telefonemas.

Ainda há dúvidas enormes. Já se sabe que os acionistas perderam tudo, mas os credores, como os bancos asiáticos em geral e chineses em particular, querem garantir seus ativos. Há dúvidas também sobre se os bancos privados poderão entrar no vácuo que esses bancos deixaram no financiamento imobiliário. O mercado está atolado em papéis que ninguém quer e por isso a pressão, segundo informou o "Wall Street Journal", é para que o governo crie uma agência para comprar esse lixo hipotecário.

Até agora, desde que essa crise começou, há um ano, os mais pessimistas vêm tendo razão e os que subestimam o tamanho da crise tiveram que refazer suas avaliações. O Brasil tem conseguido segurar a economia, mas em vez de bater no peito e se considerar imune, o governo deve entender mais profundamente o que está se passando. Autoridades brasileiras têm feito declarações constrangedoras pelo grau de desconhecimento que revelam.




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