Míriam Leitão - Hora do ataque
Política

Míriam Leitão - Hora do ataque




PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
27/8/2008

A frase de James Carville, o publicitário de Bill Clinton, ficou tão conhecida que virou enfeite. Uma fantasiada delegada exibia na convenção democrata a bolsa onde estava bordado: "É a economia, estúpido." Carville pôs, de novo, o dedo na ferida quando disse, na CNN, que estão faltando ataques ao governo mais impopular da história recente. Avisou que a hora é de atacar George Bush.

De novo, a área de ataque é a economia. O mesmo campo de batalha em que Bill Clinton, com ajuda de Carville, venceu o velho George Bush. O filho, como o pai, também arruinou a economia, lembrou o marqueteiro num comentário na CNN. De quebra, ainda pôs o país em duas guerras. No primeiro dia da convenção, o atual Bush foi poupado por preciosas seis horas no encontro do partido.

A economia americana se encontra em estado lastimável. O superávit fiscal deixado por Clinton virou déficit; o déficit externo se aprofundou e derrotou o dólar frente a todas as moedas flutuantes do planeta; a economia encolhe sob o peso da crise de crédito; as perdas dos bancos estão em marcha batida para o inacreditável número de US$1 trilhão. O pior é que, nos últimos meses, os americanos viram os empregos encolher e as ações de despejo crescer. Ontem, os indicadores deram um breve alívio no pessimismo. O Departamento de Comércio divulgou que, em julho, as vendas de casa aumentaram 2,5%, recuperando-se do ponto mais baixo em 17 anos, a que haviam chegado em junho; e os estoques de casas não vendidas caiu 5%. O dólar amanheceu o dia subindo, mas menos por esses bons sinais, e mais pelo problema dos outros. A Alemanha, mais forte economia da Europa, encolheu no segundo trimestre. A melhora de julho nos Estados Unidos não é o começo do fim da crise. O cenário mais otimista é de retomada do crescimento só em 2010. Tudo isso facilita a vida dos democratas.

O livro-texto ensina que é mais fácil derrotar um governo numa crise econômica, a qual sempre derruba a popularidade do presidente. Mesmo assim, os democratas estão na defensiva. Ao longo da semana, o tom hollywoodiano da convenção precisa incluir táticas de filmes de ação.

O clima de emoção do primeiro dia ficou mais racional no segundo dia, o qual foi dedicado a tentar curar a ferida interna das primárias. Barack Obama tenta atrair os eleitores descontentes de Hillary Clinton. No entanto, as pesquisas mostram que Obama está sentindo os golpes desfechados contra ele pelo oportunismo republicano. Um dos anúncios de campanha de John McCain mostra uma mulher dizendo que era eleitora de Hillary, e a cobre de elogios, mas que agora se decidiu por McCain. Ela incentiva os eleitores democratas a votar no republicano. Hillary aproveitou o bordão final da mensagem publicitária, "Eu sou John McCain, e aprovei esta mensagem", e respondeu: "Eu sou Hillary Clinton, e não aprovo esta mensagem." Pesquisas mostram que apenas um em cada quatro eleitores de Hillary já se decidiu por Obama. Por isso o apoio dela ontem foi importante, apesar de ser mais um momento previsível do roteiro das convenções.

Os democratas estão orgulhosos de si mesmos; e com razão. O partido tem história, coerência e ícones. No primeiro dia, toda a família real democrata, os Kennedy, estava lá na homenagem a "Uncle Teddy"; John Kennedy foi lembrado pela filha Caroline; estava lá até Maria Kennedy Shriver, a mulher do governador republicano da Califórnia e exterminador de democratas, Arnold Schwarzenegger. Ted Kennedy foi descrito como aquele que guardou a fé progressista mesmo em tempos muito conservadores.

É natural também que os democratas estejam emocionados com o avanço dos afro-americanos. Nos 45 anos desde o famoso discurso de Martin Luther King, os negros tiveram um avanço extraordinário. São afro-americanos os prefeitos de Newark, Washington e Atlanta e os governadores de Massachusetts e Nova York. Os bem-sucedidos entre os negros americanos se espalham pelo mundo corporativo. O prefeito de Newark, Cory Booker, por exemplo, é filho de dois executivos da IBM. Ele é da geração que não viu, como costuma dizer, "a não ser em museu", a placa "Só para brancos". Uma geração que viveu as ações afirmativas na educação, o esforço das empresas por construção da diversidade interna, a "Lei de Oportunidades Iguais", e suas conseqüências: mais mulheres e negros na estrutura de poder político, acadêmico, corporativo. Condoleezza Rice é prova de que os negros não são todos democratas, mas a bandeira da inclusão dos negros sempre foi dos democratas. Para defendê-la, o partido pagou até com a vida dos seus líderes. Os sonhos de Martin Luther King, John Kennedy e Bob Kennedy pairam sobre uma convenção como vitória e conquista. Michelle Obama enfatizou que é filha de um operário que estudou em Harvard com bolsa. Nem precisou falar que eles representam o sonho de igualdade racial. Eles são o sonho de uma família negra na Casa Branca.

Mas não é com sonho, lembranças e heróis que se ganha uma eleição. Barack Obama tem que explorar a crise econômica e provar que sabe como tirar a economia do buraco. Pois, como ensina o velho bruxo Carville: ganha a guerra quem ataca, e a economia é o melhor campo.




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