Míriam Leitão Bolhas e pânicos
Política

Míriam Leitão Bolhas e pânicos


O Globo
Explicações, existem muitas. Mas não são suficientes para justificar o nervosismo das bolsas e o fato de o Brasil ter a maior queda acumulada no ano. Pior que a queda foi a volatilidade. A bolsa ontem descia muito e se recuperava, para voltar a cair. Todas as explicações têm alguma razão, mas ontem houve um episódio de pânico que tem tanta lógica quanto as bolhas, ou seja, nenhuma.

Em momentos assim, de alta sem fundamento e queda livre, não há lógica. Apenas a manada. Como o mercado americano diz, é urso (queda) ou touro (alta). Os movimentos de queda se ampliam às vezes só porque é necessário conter a sangria: interromper o processo de perda, livrando-se daquelas ações. Os grandes investidores fazem suas apostas, ou corridas, provocam o maremoto que joga os pequenos poupadores de um lado para o outro.

A explicação mais comum ontem no mercado era que a situação internacional está ruim. Nenhuma novidade, porque está assim desde o começo do ano. Esperados e inesperados atingiram a economia mundial muito mais do que o previsto. O Japão enfrentou terremoto, tsunami, desastre nuclear, que afetaram algumas cadeias produtivas. O petróleo subiu acima do que se imaginava puxado pelas revoltas na África. A Europa teve um desdobramento da crise fiscal e de dívidas. Era previsível, mas visto de perto tudo tem parecido ainda mais feio. Os Estados Unidos viveram semanas numa situação patética na qual revelaram fraqueza econômica e política.

Tudo isso aponta para um crescimento menor do mundo. Isso pode derrubar o preço das commodities. Se elas caírem, o Brasil seria afetado porque tem sido beneficiado pelos preços em alta das matérias-primas que exporta.

Evidentemente, o Brasil é atingido pela crise mundial, mas não faz sentido que seja “o” mais afetado na bolsa. Bolsa não é atestado médico: nem de saúde, nem de doença. Tem seus movimentos e alguns são determinados por esses eventos mais da natureza psicológica que econômica: euforia e pânico. Ontem, foi um episódio do segundo tipo. Até pela volatilidade que se viu ao longo do dia inteiro. Abriu com -2%, desceu a -6,05%, voltou a -4,49% e terminou em -5,72%.

Há explicação mais direta: a de que os mercados estão como cegos em tiroteio, pensa a economista Monica de Bolle, da Galanto:

— Todo mundo chegou à conclusão de que a economia mundial tem um teto para crescer mas não tem um chão para cair. Por isso, há uma reprecificação de risco, mas o movimento é exagerado. Se amanhã (hoje) o dado de desemprego americano vier forte, as bolsas vão subir.

Hersz Ferman, analista da Yield Capital, disse que o Brasil está apanhando muito porque lá fora se tem a percepção de que há no país uma bolha de crédito. Há muitas matérias falando disso na imprensa internacional.

Roberto Padovani, do West LB, admite que explicar o mau humor dos últimos tempos é mais fácil do que encontrar a razão concreta para o forte pessimismo de ontem:

— A explicação do dia é difícil de achar. É o acúmulo de incerteza ao longo dos últimos dois meses. Incerteza sobre a crise europeia, o crescimento americano. Houve valorização excessiva em 2009, muito rápida, na bolsa brasileira. Este ano há uma desaceleração econômica em curso no Brasil, mas ninguém sabe a magnitude.

Outro motivo apontado por 10 em cada 10 analistas é que há dúvidas sobre governança das duas grandes empresas brasileiras, que juntas representam 30% do Ibovespa: Vale e Petrobras. Uma é privada, mas passou a ser administrada como estatal; outra é estatal, mas tem ações em bolsa e até o preço da gasolina tem que ser decidido pelo Palácio do Planalto.

Ontem, houve quedas assim: MMX, 17%; Marfrig, 14%; LLX, 13,5%; OGX 9,7%. Não foi um bom dia para os Xs. O Ibovespa estava caindo menos, mas aí as bolsas americanas despencaram: Dow Jones -4,3%; Nasdaq, -5%, S&P, 4,7%. A nossa foi junto. Culpa do fuso horário. A Europa já estava fechada quando o mercado urso pesou nos EUA e aí no fechamento o Brasil ganhou da Grécia: virou a pior queda do ano. No mercado de moedas, subiu quem? O dólar. A maioria das moedas caiu diante da fraca moeda americana, e até o ouro caiu. Os juros dos títulos de curto prazo do Tesouro americano foram a zero. Isso quer dizer que os investidores estão dispostos a financiar a quase caloteada divida americana com rendimento zero.

Motivos para se preocupar com o mundo existem tantos que é melhor falar do que não é motivo: o corte de gastos aprovado esta semana pelo Congresso americano. Ele, em si, é mais fumaça que fato. É que nada será cortado este ano. No ano que vem, apenas US$ 25 bilhões. Há uma trajetória de corte, mas futura, que acontecerá em outro momento, em outro governo, em outra situação da economia.

O que mais assusta todo mundo é o que não cabe em equações econômicas, nem pode ser quantificado, mensurado ou precificado: crise política. Na Europa, a piora esta semana da perspectiva sobre Espanha e Itália deixou claro que há um grave problema de governança na região. Até que ponto será possível os países pagadores pagarem? E quem são os países pagadores, além da Alemanha? E quanto de poder sobre decisões de política interna — em outra palavra, soberania — os países que receberão ajuda estão dispostos a ceder? A Europa é uma esfinge.

Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama comemorou seus cinquenta anos com mais cabelos brancos e menos capacidade de convencimento em sua liderança. Ele é visto como fraco por todos os lados, principalmente pelos seus correligionários. Mas uma divisão assustadora ocorre do lado conservador também. Que o mundo vai crescer menos do que se imaginava, todos já tinham entendido; mas o desconcertante é saber que há também uma crise política. Mas ontem foi um caso à parte. Um daqueles dias.



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