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Esta semana: Adélia Prado

"O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta."
(Adélia Prado)

Adélia Luzia Prado de Freitas é natural de Divinópolis/MG, nascida em 13/12/1935.
Adélia diz que:
"Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda sua glória, se vestiu como um deles...".
A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito pra essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse."

Professora, começou a escrever em 1950, após a morte de sua mãe, Ana Clotilde Corrêa. Em 1973 forma-se em filosofia, um ano após a morte de seu pai, o ferroviário João do Prado Filho.
Por essa época, entediada de seu próprio estilo, começa a escrever de forma torrencial, dando veios às influencias literárias recebidas das leituras de Drummond, Guimarães Rosa, Clarice Lispector.

Na opinião de Carlos Drummond de Andrade, "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis".

O que mais chama a atenção na literatura produzida por Adélia Prado é a religiosidade embutida e/ou subentendida em seus textos. Ela trata e retrata as coisas do cotidiano com perplexidade, entendimento e pureza.
Sua obra é atemporal, moderna, transformando em lúdico a realidade descrita, fazendo com que os fatos mais corriqueiros ganhem uma beleza poética de grande extraordinariedade.

Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.

"Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."
Fonte: www.amulhernaliteratura.ufsc.br/


Com licença poética

"Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou."



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