Elogiar Dias Loureiro é doentio. Um delírio tão grande de Pedro Passos Coelho que, num primeiro momento, foi quase desconcertante. Será alguma golpada mediática? Estará a passar alguma mensagem nas entrelinhas? Não, nada disso. Foi apenas mais uma demonstração de que temos um primeiro-ministro que há muito perdeu a “ligação à terra”. De alguém que vive numa espécie de realidade paralela.
Mas para além de um primeiro-ministro alienado (se quisermos ser simpáticos), o episódio de Dias Loureiro reflecte de forma cristalina a cultura de mérito que nos rodeia. Demonstra bem o conceito de “subir na vida” para uma parte muito substancial das nossas elites políticas e económicas. É que por detrás do discurso quase humanista do trabalho árduo de sol a sol, do esforço e sacrifício pessoal que é preciso para se ser alguém na vida, existe também uma cultura fortemente arreigada que acha normal os compadrios, os tráficos de influência e até os pequenos e grandes fenómenos de corrupção. Tolera tais fenómenos porque encontra sempre uma razão mais ou menos parola, mais ou menos sofisticada, para os justificar.
Uma cultura que crítica a sujidade da política, os jogos que lhe são inerentes, os interesses que lhe estão subjacentes, mas que quando chega o momento de tentar atacar o referido problema, encontra sempre um bom motivo para o não fazer. E as linhas de raciocínio são brilhantes a este respeito. O Presidente da Câmara até se farta de dar trabalho aos seus amigos, mas se lá estivessem outros, acabariam também por fazer o mesmo. O Secretário de Estado ou o Ministro encheu o seu gabinete e os institutos que tutela com boys do seu partido, amigos e familiares, mas isto sempre foi e sempre será assim. Porquê chatear-nos com essas coisas?
Uma cultura que sublinha que temos uma economia atrasada, que nos faltam profissionais nos negócios, que precisamos de ter um espírito mais empreendedor. Mas é também uma cultura que continua a desvalorizar significativamente a formação e o seu valor. Elogia a competência e o profissionalismo, mas acha que, no mundo dos negócios, o que importa é ser esperto, ter os contactos certos e conseguir abrir as portas necessárias. Isso é que é importante. Importa saber-se mover bem e fazer o que for necessário para que o negócio aconteça. Mesmo que com isso se atropele um pouco a lei ou se contorne esta ou aquela obrigação. Mesmo que um ou outro valor prometido na missa do último domingo seja sacrificado. Negócios são negócios, e as pessoas bem-sucedidas são-no porque se souberam mexer.
Por fim, uma cultura que crítica as ligações que existem às claras entre a economia e a política, afirmando que são os contribuintes que pagam tudo isto, mas que tolera bem estas ligações quando acontecem com pessoas que lhe são próximas. E encontra sempre um bom motivo para fechar os olhos a este respeito. É sabido que, lá na terra, o Presidente da Câmara adjudicou uma obra a uma determinada empresa e que esta arranjou forma de o compensar. Mas isso sempre funcionou assim e o tipo até é porreiro. É sabido que o presidente do Instituto X foi particularmente simpático no seu mandato com a empresa Y, e toda a gente sabe que a referida empresa até lhe dará trabalho no futuro. Mas, lá está, o tipo até é competente e tem mérito em algumas coisas que faz.
No meio desta cultura de Dias Loureiros, importa de vez em quando ir sacrificando alguns nomes em praça pública, atribuindo-lhes toda a podridão do mundo. Tal deve acontecer para as pessoas não pensarem que esta é uma república das bananas sem rei nem roque. Importa ir encontrando uns Vales Azevedos, uns Migueis Relvas, uns Josés Sócrates e linchá-los bem. A moral pública fica assim mais equilibrada e cada um de nós fica satisfeito porque, de vez em quando, até parece que se tenta fazer justiça.
Artigo publicado na terça-feira passada no Açoriano Oriental
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