Noivas em fuga MÍRIAM LEITÃO
Política

Noivas em fuga MÍRIAM LEITÃO



O GLOBO - 28/08/11

O machismo virou problema econômico. Sempre foi uma trava no progresso, mas agora ganhou até capa de revista econômica pelos dilemas que está criando na sociedade asiática, que tem sido a mais refratária aos avanços. As mulheres asiáticas, que estão no mercado de trabalho e trabalham dez vezes mais em casa que seus maridos, estão fugindo do casamento e não tendo filhos.

Com maior ou menor intensidade, é mundial a ideia de que o trabalho em casa e os cuidados com os filhos é obrigação da mulher. O homem - quando quer - "ajuda". Se no Ocidente isso está mudando, no mundo oriental o problema é pior e produziu equações difíceis de serem resolvidas do ponto de vista econômico e social.

A Economist tratou disso na semana passada: o movimento das asiáticas de fuga do casamento representa uma queda mais rápida da população, que pode representar envelhecimento ainda mais rápido, criando dificuldades maiores ao sistema previdenciário.

Um terço das mulheres nos seus trinta e poucos anos na Ásia não se casaram; e no Japão 21% delas encerraram o período reprodutivo sem se casar. Em Tóquio, a taxa chegou a 30%. Em Cingapura, 27% das mulheres com curso superior entre 40 e 44 anos não se casaram. Essas taxas estão subindo também na Tailândia, Coreia e até na China, entre mulheres mais escolarizadas e com renda maior. Lá, há muito preconceito contra nascimentos fora do casamento, porque a Ásia não passou pela revolução de costumes que houve no Ocidente. Por isso, não casar significa não ter filhos.

No Ocidente, é alta a taxa de crianças nascidas fora do casamento tradicional. Na Suécia, 55% das crianças nascidas em 2008 foram fora do casamento; na Islândia, 66%. Na Ásia, a média é 2%. O problema é que a carga a se carregar no casamento é pesada demais para uma asiática, diz a revista. Uma mulher asiática que trabalhe 40 horas semanais tem, em média, mais 30 horas de trabalhos domésticos. Os homens dedicam, em média, 3 horas a esse serviço. Além disso, considera-se que a mulher é responsável pelo cuidado das crianças e também dos idosos da família. Normalmente, a mulher por lá é responsável pelos cuidados do sogro e da sogra. Por isso, muitas asiáticas, principalmente as de alta escolaridade, estão preferindo apostar na carreira.

Aumenta também o que era inaceitável tempos atrás: relacionamento sem casamento, sem filhos e sem compromisso. As taxas de mulheres no mercado de trabalho estão aumentando rapidamente. Na Coreia do Sul, a taxa de mulheres empregadas na faixa dos 20 anos superou a de homens. Com opções e independência financeira, elas impõem os termos: ou a sociedade muda por uma divisão mais igualitária do peso da vida familiar ou elas continuam solteiras. "Por que mudaria minha vida para preparar sopa de tofu como minha mãe?" disse uma entrevistada à revista.

Na Índia e China, há outro problema: o aborto seletivo que impede o nascimento de meninas. Em 2050, haverá nestes dois países 60 milhões de homens a mais que mulheres em idade de se casar, diz a Economist . Já há cálculos mostrando aumento do porcentual de homens que não vão conseguir se casar por falta de mulheres na China nas próximas décadas.

O interessante da reportagem é que normalmente as matérias sobre casamento apresentam a versão de que mulheres querem muito se casar e os homens fogem. É como se o casamento fosse um sonho compulsivo feminino. O texto da Economist , naquele estilo sóbrio e fundamentado em estatísticas, sustenta o contrário: elas é que estão dizendo não e justamente na sociedade asiática, que, até recentemente, proclamava-se a região do mundo que era superior por ter valores e princípios familiares mais arraigados.

A reportagem diz que esses valores eram na verdade a visão conservadora e ultrapassada de que cabe apenas à mulher carregar o peso da renovação da população e ainda ser o amparo dos mais velhos.

"As mulheres estão rejeitando o casamento na Ásia e isso tem sérias implicações sociais", diz o subtítulo do editorial da revista. "Os governos asiáticos têm há muito tempo a visão de que a superioridade de seus valores familiares era uma das grandes vantagens que tinham em relação ao Ocidente. Isso não está mais garantido. Eles precisam acordar para as profundas mudanças sociais que acontecem em seus países e pensar em como podem enfrentar as consequências", alerta a Economist .

Na visão da revista, é difícil uma política pública acabar com o preconceito que produz essa distribuição desigual dos pesos na família, mas os governos têm algo a fazer. Ela sugere licenças-paternidades, para que homens se envolvam mais com os recém-nascidos e as crianças em crescimento, e subsídio ou oferta de serviços que facilitem o cuidado da criança.

Em alguns países europeus e nórdicos, a ideia de licença-maternidade evoluiu para a "licença para cuidar da criança", que é concedida à pessoa da família que se dispõe a fazer o trabalho. Após o fim do período de amamentação, essa pessoa não tem de ser necessariamente a mãe. Numa nova sociedade, com outros valores, é preciso pensar em novas políticas públicas atualizadas aos novos desafios.



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