O G-20 é o grupo das maiores economias desenvolvidas e emergentes do mundo. O G-7 é o grupo dos sete países mais desenvolvidos economicamente do mundo. Já o G-4 é o mais interessante: inclui as quatro melhores equipes de futebol do Brasileirão, com direito a disputar o campeonato da Libertadores da América no ano que vem. Assisto à disputa pelo G-4, mas escrevo sobre o G-20, cuja reunião de combate à crise mundial ocorreu este fim de semana.
O governo brasileiro anunciou que foi uma cúpula histórica, que mudou a lógica das decisões políticas no mundo, e que a proposta do Brasil de regular o sistema financeiro internacional foi aceita. Não é o momento para se deslumbrar. Na realidade, o G-20 foi palco de uma nova tentativa dos governos dos países de estancar a crise, que já se alastra há meses. O fórum adotado foi o G-20 porque o mundo desenvolvido precisa mais do que nunca proteger o crescimento nas economias emergentes, para o seu próprio bem. E está claro para todos que é necessário modificar a regulação existente nos mercados financeiros internacionais - a pergunta é: de que forma? A melhor contribuição do Brasil (e da China e outros emergentes) para a crise mundial é trabalhar para se manter saudável economicamente neste período conturbado. E quanto mais bem-sucedido for nessa tarefa, maior será a sua presença política nos fóruns internacionais no futuro.
Ver a crise como oportunidade de adquirir poder político internacional momentâneo pode desviar a atenção da tarefa à mão. E nem tudo o que está à mão deve ser deixado como referência: em recente visita ao secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, o Ministério da Fazenda do Brasil propôs "novas idéias" para acalmar os mercados internacionais, supostamente com base num exemplar da revista inglesa The Economist, que foi deixado de cortesia (Valor, Ricardo Balthazar, de Washington, 17/11). Tirando o pitoresco do acontecido - será boato? A revista é muito liberal... -, demonstra foco equivocado. Há muita coisa a fazer no Brasil nos próximos meses e anos.
O resultado da reunião do G-20 deste fim de semana está longe de ser uma panacéia. Normalmente, fóruns internacionais como o G-20 não conseguem avançar rapidamente em medidas imediatas e aplicadas. Aproveitamos a declaração conjunta emitida pelo G-20 para mostrar onde se encontram as preocupações coletivas e os possíveis próximos passos dos governos:
Risco de protecionismo. Crises, às vezes, levam governos a elevar suas barreiras alfandegárias, o que, se adotado por todos, leva ao aprofundamento da crise. Os governos comprometeram-se a, nos próximos 12 meses, não elevar as barreiras ao comércio e a retomar as negociações de Doha (assim, vago).
Instituições financeiras internacionais (IFI) têm de contribuir. O FMI tem de tornar seu novo mecanismo de liquidez eficaz e flexível (empréstimos com menos condicionalidades para países bem administrados). O Banco Mundial e os bancos de desenvolvimento têm de usar sua capacidade plena de empréstimos. O Fórum de Estabilidade Financeira (FEF), que acompanha o risco dos mercados financeiros, vai ampliar-se e incluir mais membros.
Reconhecimento da importância de políticas expansionistas domésticas, como a monetária e a fiscal, para amenizar a crise. Mas reconhece que, em cada país, a política monetária tem de se adequar às suas condições econômicas e que a fiscal tem de respeitar a sustentabilidade da dívida.
Reforma do sistema financeiro internacional. Isso inclui: 1) Reforçar a transparência, publicando de forma precisa a posição financeira dos bancos e publicando de forma mais adequada os ativos mais complexos; 2) melhorar a regulação das instituições financeiras, procurando mais rigor em épocas de expansão, sem prejudicar a inovação, e forte supervisão das agências de classificação de risco; 3) promover integração e coordenação da regulação financeira no mundo; e 4) fomentar a integridade do sistema, protegendo os investidores e consumidores de práticas abusivas ou ilegais.
Nova reunião marcada para abril de 2009. Talvez a mais significativa resolução. Em abril já estará empossado o novo presidente americano, Barack Obama, que não participou deste fórum, mas terá oportunidade de contribuir plenamente no próximo.
Para o Brasil é mais produtivo concentrar-se nas implicações locais da crise global. Há várias questões de curto prazo para administrar. A liquidez já está fluindo adequadamente no sistema financeiro brasileiro? A intervenção cambial atual é duradoura para um período de crise mais extenso? Como se vai comportar a arrecadação com a economia em desaceleração? Como manter responsabilidade fiscal num cenário adverso?
Além das ações de combate à crise, seria interessante aproveitar a oportunidade para aprovar reformas estruturais e mudanças que irão permitir elevar a capacidade de crescimento do Brasil no longo prazo. Um desses desafios é a reforma tributária. No passado, crises foram épocas de oportunidades para avançar em áreas em que faltava consenso em tempo de calmaria, talvez pela sensação falsa de falta de urgência.
Em suma, pé no chão é essencial no momento. O G-20 não fez nem mais nem menos do que o esperado de um fórum desses: diretrizes amplas, consensos mínimos. Não foi uma reformulação do poder mundial e está longe de ser uma solução definitiva da crise no mundo. O Brasil faria bem em se concentrar nos impactos locais da crise global, definir as reações apropriadas de curto prazo, evitar o oportunismo de alguns e avançar nas reformas estruturais. Isso o levaria a um desempenho econômico saudável neste período de crise e o credenciaria a um papel maior na economia mundial. Uma futura presença política de alto nível nos fóruns internacionais seria uma conseqüência natural desse novo papel.
Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Consultoria, diretor do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC-Rio E-mail:
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