O eleitor escolheu a direita
Política

O eleitor escolheu a direita


Vitória na era do consenso

Chilenos elegem Sebastián Piñera, um político de direita com uma agenda centrista parecida com a da coalizão de esquerda que governava o país


Thomaz Favaro

Marco Fredes /Reuters
Vale beijinho
Sebastián Piñera, o eleito, e Michelle Bachelet,
a bem cotada, se encontram e não se estranham:
transição civilizada

Foram tantas as manifestações de civilidade política que cercaram a vitória de Sebastián Piñera no segundo turno da eleição presidencial que o Chile merece se tornar um motivo de orgulho não só para seus cidadãos como para todas as pessoas de bons propósitos, em qualquer lugar do planeta. Consumada a vitória de Piñera numa eleição apertada, o adversário derrotado, Eduardo Frei, reconheceu-a rápida e elegantemente: em pessoa, e com abraços aplaudidos pelo público adversário. Depois, a presidente Michelle Bachelet telefonou. "Eu o parabenizo e espero que o Chile possa continuar pelo caminho do progresso", disse. "Peço-lhe um favor", retribuiu Piñera. "Quero pedir seu conselho e sua ajuda porque sua experiência de governo é muito importante." A esposa dele, Cecilia, entrou na conversa para dizer que, "como mulher, me sinto orgulhosa de que a senhora tenha sido a presidente dos chilenos". No dia seguinte, todos se encontraram e combinaram de viajar juntos em visita oficial ao México, em fevereiro. Foram momentos emocionantes para um país como o Chile, tão radicalizado num passado ainda recente por polarizações superadas entre esquerda e direita. Ninguém, esclareça-se, mudou de lado: Bachelet continua socialista, o democrata-cristão Frei compunha a coalizão com ela e Piñera é de direita. Todos, como se viu, civilizados e unidos pelo propósito de tocar o país para a frente, em vez de afundá-lo em refundações desastrosas.

Sebastián Piñera conquistou cerca de 350 000 votos a mais do que na última eleição, em 2006, quando perdeu o segundo turno para Bachelet. São, em sua maioria, eleitores da coalizão governante, chamada Concertación, que resolveram apostar em Piñera para renovar a liderança nacional e, com sorte e boa administração, acelerar o crescimento econômico do país. "Uma parte significativa da classe média admira sua imagem de empresário de sucesso", disse a VEJA o sociólogo chileno Manuel Antonio Garretón, da Universidade do Chile. O sexagenário Piñera combina ternos conservadores com um relógio ToyWatch laranja fluorescente e tem um dos Twitters mais populares do país, com 44 000 seguidores. Nascido em uma família da elite bem-pensante – seu pai foi embaixador na ONU e um dos fundadores do Partido Democrata-Cristão –, estudou economia em Harvard, nos Estados Unidos. Nos anos 80, montou o primeiro banco de investimentos e a primeira administradora de cartões de crédito do Chile. Fez fortuna, hoje estimada em 1 bilhão de dólares. Antes de assumir a Presidência, em março, vai vender suas ações da LAN Chile, para não criar conflito de interesses. O comando de seu canal de televisão será entregue a uma fundação.

Como cabe a um político da direita civilizada, Piñera prometeu imprimir mais dinamismo econômico para desatar os nós que fazem com que o Chile cresça hoje menos do que na década passada. Para incentivar o empreendedorismo, pretende reduzir de 27 para doze dias o tempo necessário para abrir um negócio no país (no Brasil, são 152). Também acenou com reforma para aumentar a eficiência do estado chileno, deixando-o com "mais músculo e menos gordura". A mineradora estatal Codelco, a maior produtora de cobre do mundo, poderá receber investimentos privados para aumentar a produtividade. Os programas sociais criados pela Concertación, que ajudaram o país a erradicar a extrema pobreza, serão mantidos.

A convergência entre os opostos do espectro político é o motor da evolução política e social do Chile. "Esse fenômeno começou com a redemocratização do país, quando os chilenos resolveram pôr um fim à polarização política e apostar no modelo econômico em vigor", disse a VEJA o historiador Joaquín Fermandois, da Pontifícia Universidade Católica do Chile. Quando direita e esquerda se radicalizaram, quem saiu perdendo foi o próprio Chile. A aura de mártir de Salvador Allende, o presidente que se suicidou no bombardeado Palácio de La Moneda, não deve obscurecer seus erros. Seduzido pela polarização reinante à época, Allende incentivou a invasão de terras, expropriou as fazendas com mais de 80 hectares e endossou a agitação promovida pela extrema esquerda nas fábricas e minas. As empresas de cobre foram nacionalizadas. Com medo das desapropriações, os donos de indústrias pararam de investir e a produção nacional despencou. A radicalização empurrou o país para o caos que antecedeu o golpe de 11 de setembro de 1973, orquestrado por um general até então desconhecido: Augusto Pinochet. A odiosa ditadura militar durou dezessete anos e deixou 3 195 vítimas contadas, entre mortos identificados e desaparecidos. O maior mérito da Concertación, que venceu a ditadura nas urnas em um plebiscito convocado pelo próprio Pinochet, foi ter desmontado o estado policial e, ao mesmo tempo, mantido a estabilidade econômica. Vinte anos depois, Sebastián Piñera ganhou nas urnas a honra de provar que os chilenos podem ter um presidente de direita e se orgulhar dele, como o fazem com Michelle Bachelet, que deixa o governo com 80% de aprovação. Espera-se que corresponda à responsabilidade.

Eliseo Fernandez/Reuters
Festa em Santiago
Partidários de Piñera comemoram: "Mais músculo
e menos gordura"



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