Assistiu ao filme, leu o livro e caiu de amores pelo
labrador? Não é o único. Cuidado para que a sua
versão de Marley & Eu seja menos conturbada
Bel Moherdaui
Vikki Hart/Getty Images | ||
Do cinema para a sua casa | ||
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Quem nunca teve um Marley na vida? O labrador protagonista do livro Marley & Eu, transformado em filme recém-lançado, é daqueles cães endiabrados. Logo nos primeiros dias, ainda filhotinho, destrói a garagem da casa – e garagem, na concepção americana, é onde se guarda toda a tralha acumulada na história da família. Travesseiro, móveis e piso, nada escapa da sua fúria estraçalhadora. Incontrolável, arrasta atrás de si os donos, John e Jenny Grogan (vividos no cinema por Owen Wilson e Jennifer Aniston), e até a mesa de um restaurante. Não resiste à fresta aberta da janela do carro e salta dele em movimento. "Esse cão é como um vírus, que pode contaminar o grupo todo. Tirem-no daqui", desiste a mais rígida das adestradoras. "É o pior cão do mundo", repete, exaustivamente, John Grogan, que transformou as travessuras em tema de sua coluna de jornal nos Estados Unidos, antes de lançar o livro. Incorrigível, sim, mas irresistível: Marley & Eu, com seu turbilhão de confusões caninas, só veio alimentar a paixão em vigor pela variedade de cão retriever, aquele treinado para apanhar a caça abatida sem causar estragos e entregá-la disciplinadamente ao caçador. "A procura pelo labrador, especialmente o amarelo, como o Marley, já aumentou perto de 20%", calcula Claudia Kneese, do canil Tokay, em São Paulo, especializado na raça. Em lojas de animais, as vendas também crescem desde o lançamento do livro no Brasil, em 2006, quando entrou (e está até hoje) na lista de mais vendidos de VEJA.
Desde Lassie, a collie que estreou no cinema em 1943, todo cachorro-celebridade logo conquista espaço no sofá da sala. Já houve, famosamente, a era dos dálmatas. De temperamento difícil, adeptos do péssimo hábito canino de latir sem parar, acabaram criando nos Estados Unidos o triste fenômeno dos cães abandonados pela moda e pelos donos. Mais recentemente, subiu a cotação do pug, que vem a ser tanto Frank, o cão falante do filme Homens de Preto, quanto Inès, a mimada cachorrinha da personagem de Françoise Fourton na novela Por Amor. "Se o cachorro aparece em um filme ou novela, faz sucesso. Um caso famoso é o do west high-land white terrier, da propaganda de um portal da internet, que em 2000 virou febre", diz Pedro Favaretto, presidente do Clube Paulistano de Cinofilia. Como o modismo produz a compra por puro impulso, sem nenhuma investigação prévia da compatibilidade entre caninos e humanos, não raro se instala o arrependimento (exemplo: a terrier branca e fofa da propaganda era agressiva com crianças). "Viu o filme e se apaixonou? Vá conhecer o criador, os pais, a ninhada toda, e tente achar um cachorro que combine melhor com seu estilo de vida e sua personalidade", recomenda a veterinária Daniela Ramos, da Universidade de São Paulo.
Mesmo antes do efeito Marley, o labrador já figurava entre os cachorros mais registrados na Confederação Brasileira de Cinofilia, depois do yorkshire (como a cadela Vida, da modelo Gisele Bündchen), do shih-tzu e do maltês e antes do lhasa apso. Contam a favor do único grandalhão da lista o jeito dócil e carinhoso, a capacidade de aprendizagem e aqueles olhos que parecem convidar: "Vamos brincar?". Originário do Canadá, de onde saiu para ser criado na Inglaterra, o labrador como cão de caça é obediente e pega leve na mordida, preservando a presa. "Ele foi selecionado para ser louco por água, ser muito carente (e então voltar para o dono) e gostar de ficar com objetos na boca (no caso, patos). Há uma linhagem mais enérgica, e outra, mais adequada para ser guia de cegos, que tem menos energia. Só que hoje existe muita mistura, o que dificulta a identificação. De modo geral, é um cachorro que precisa de atividade e, principalmente, do convívio com a família", explica o adestrador Alexandre Rossi. Todo mundo já sabe, mas não custa repetir: os desvios de conduta são invariavelmente causados pelos próprios donos. "Já treinei muitos Marleys. O labrador típico é brincalhão, mas calmo. Os problemas surgem porque atualmente o cachorro é um membro da família e as pessoas deixam que ele faça tudo o que quer. Erram por excesso de amor", critica André Luiz Gaspar, adestrador especializado em comportamento animal. Para lidarem com casos extremos, os Estados Unidos ganharam o Encantador de Cães na figura do mexicano Cesar Millan, estrela de um seriado que aqui é transmitido pelo canal pago Animal Planet e, claro, autor de sucesso. Seu lema: toda matilha tem um líder e quem deve assumir essa função é o dono, de coleira curta em punho e a ideia, francamente difícil de assimilar, de que os amiguinhos de quatro patas querem acima de tudo um chefe dominante, não condescendente. A prova do sucesso de Cesar é que o próprio Grogan apelou a ele na hora de disciplinar Gracie, a labradora tranquila e preguiçosa que sucedeu a Marley na casa da família. Já no filme, para cobrir todo o espectro de tempo e de diabruras do personagem, foram usados 22 cães. Todos obedientíssimos.
Marley e nós
Divulgação |
Embora labradores não sejam, em geral, incontroláveis como o do filme (na foto, com o ator Owen Wilson), também não são santinhos. Antes de levar para casa um fofíssimo filhote (preço: 1 500 a 3 500 reais), saiba que:
• é uma raça doce e sociável – mas muito ativa, daquelas que exigem pelo menos um vigoroso passeio diário
• cresce muito: 400 gramas ao nascer, 3 quilos um mês depois e, adulto, peso de modelo (humana), 45 quilos
• é guloso e, deixado ao próprio apetite, pode desenvolver obesidade
• não morde ninguém, mas destrói rápida e totalmente os objetos do seu interesse
• precisa ter gente por perto; não é, de jeito nenhum, cachorro para exilar no quintal
• o filhote mais espertinho da ninhada provavelmente é o que vai dar mais trabalho quando crescer
VEJA