O manifesto pela reestruturação da dívida pública foi, sem dúvida, o acontecimento político da semana. E, como é evidente, o estranho não foi assistirmos a signatários tão diversos em torno de um tema. Convergências e consensos há muitos... O que tornou o manifesto central foi o apelo tão vasto em torno de um tema que há não muito tempo atrás era um autêntico tabu. Num momento em que o Governo nos garante que estamos no bom caminho, eis que surge um manifesto subscrito por personalidades de diversos quadrantes declarando que temos de reestruturar a dívida.
Para quem não se lembra muito bem, a reestruturação da dívida foi uma das principais bandeiras do Bloco em... 2011! Efoi-o precisamente por já na altura ser evidente que não era possível saldar a dívida que o país acumulava. Saldar a dívida com os juros e nos prazos então acordados seria a condenação de quaisquer hipóteses de retoma económica . Embora fosse a única solução realista para evitar um mergulho convicto na catástrofe social, a reestruturação foi desde logo encarada como a solução de uma cambada e radicais marginais que por aí andavam.
A condenação da reestruturação atingiu aliás o seu ponto máximo quando começou a ser apelidada de “calote” aos credores. Um calote que levaria à miséria, a desempregos e a falências. Um caos, portanto. E quem foi um dos grandes autores desta maravilhosa profecia em torno do calote? O nosso literalmente inesquecível José Sócrates. Um dos debates televisivos que precederam as legislativas de 2011 e colocou frente a frente Sócrates e Louçã constitui hoje uma bela peça para reavivar a memória de muitos.
Vemos agora os mais diversos sectores reunirem-se em torno deste tema, considerando-o como a única saída realista perante o cenário que o país vive. Não compensa de facto ter razão antes do tempo... De qualquer modo, independente da maior ou menor seriedade mostrada por alguns em torno deste tema, ainda bem que começam a surgir este tipo de convergências, este tipo de consensos. Não haja dúvidas a este respeito. Em última análise, é sinal de que a mudança está em curso acelerado. O radicalismo de ontem transformou-se agora em pragmatismo. Venham mais convergências deste tipo. Cá estaremos para as receber.
Artigo hoje publicado no Esquerda.net