O poder atolado Rolf Kuntz
Política

O poder atolado Rolf Kuntz



O Estado de S. Paulo - 14/05/2009

Brasília chegou à pós-modernidade política. Ideologias, bandeiras, linhas de pensamento, tudo isso ficou para trás. Agora se briga, na capital federal, preferencialmente por valores muito mais tangíveis. É a era do pragmatismo. Parlamentares governistas propõem uma reforma eleitoral desenhada para beneficiar os já instalados nas câmaras legislativas. Mensaleiros ou não, mantenham-se no poder. Ao mesmo tempo, dois peemedebistas ligados ao governo deixam de lado a afinidade partidária e entram em guerra. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), decidiu retaliar o ministro da Defesa, Nelson Jobim, por causa das demissões de apadrinhados políticos na Infraero. Foram cortados 28 de 98 funcionários indicados politicamente. A lista inclui um irmão e uma cunhada do senador.

A ideia, segundo o ministro, é manter apenas 12, para tornar os quadros mais profissionais e preparar a empresa para uma possível privatização. Empresa privada, subentende-se, funciona com outros critérios. Mas por que não esses mesmos critérios para as estatais?

A pergunta é obviamente ingênua. É parte da tradição brasileira a apropriação de recursos públicos pelos ocupantes do poder. Essa tradição, em vez de se esgarçar com o tempo, vem-se tornando cada vez mais forte e não é mantida apenas pelos políticos menos ilustrados ou menos envolvidos com as bandeiras populares. Não houve distinção partidária ou ideológica entre os parlamentares flagrados no abuso das passagens aéreas. Alguns são até conhecidos como sujeitos honestos e respeitadores das boas normas da política. Então, como se perderam no atoleiro? Talvez por terem, como seus colegas, considerado as passagens como parte de seus vencimentos, isto é, de seus direitos, e não como instrumentos de sua função parlamentar. Essa confusão é evidente no debate sobre as chamadas verbas indenizatórias.

Os limites de uso desse dinheiro talvez nunca tenham sido traçados com suficiente clareza, pelo menos em termos formais. Em todo o debate ninguém foi censurado por usar essa verba para manter um escritório político - assunto de interesse privado de cada parlamentar, tanto quanto as viagens a redutos eleitorais.

A nomeação de pessoas para cargos da administração - direta ou indireta - é considerada um direito dos políticos no poder e de seus aliados. O PT notabilizou-se pelo aparelhamento do governo, sem poupar sequer as agências reguladoras, concebidas originalmente para funcionar como organismos técnicos e livres de interesses político-eleitorais de curto prazo. Esse conceito foi há muito renegado pelo governo petista. Mas o desempenho do PMDB, o maior partido da base aliada, tem sido igualmente notável no quesito das nomeações.

Os avanços do partido nas estatais do setor de eletricidade começaram bem antes de ser nomeado o senador Edison Lobão para o Ministério de Minas e Energia. O próximo alvo dos peemedebistas é a presidência da Petrobrás, a maior, mais eficiente e mais próspera das empresas controladas pelo Tesouro. A Petrobrás administra o mais importante orçamento de investimentos do setor público, comparável ao de respeitáveis multinacionais. Será um banquete para qualquer grupo disposto a tornar um pouco menos profissional a gestão da empresa.

A reação do senador Romero Jucá às demissões na Infraero chama a atenção - ainda - principalmente por ser franca, aberta e sem o mínimo esforço de disfarce. Sua ameaça de retaliação é cômica. Ele anunciou a intenção de propor uma emenda constitucional para reservar o posto de ministro da Defesa a um militar, ativo ou da reserva. A ideia é um despropósito, obviamente, mas também é instrutiva: mostra como um parlamentar - no caso, um líder do governo - chega a subordinar um assunto de enorme importância, como a definição de um cargo de primeiro escalão, a um interesse estritamente pessoal.

Enquanto ele esbravejava contra o ministro Jobim, colegas de parlamento lançavam a ideia de suspeitíssimas listas eleitorais, encabeçadas por detentores de mandatos e utilíssimas para fortalecer os caciques partidários. Na presidência da Casa, o senador José Sarney recebia um projeto de reforma administrativa encomendado à Fundação Getúlio Vargas depois do escândalo das cento e tantas diretorias.

Nesse atoleiro tramita, há algumas semanas, o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com as linhas gerais do próximo Orçamento-Geral da União. Haverá ambiente melhor para se tratar das finanças federais, isto é, do uso do dinheiro dos contribuintes?




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