O que o Supremo está decidindo? - SAMUEL PESSÔA
Política

O que o Supremo está decidindo? - SAMUEL PESSÔA



FOLHA DE SÃO PAULO - 09/09



O Brasil deve ser o país no qual o sistema jurídico evita com mais força a condenação de um inocente


Nesta coluna, compartilho com os leitores a leitura que faço do julgamento da ação penal 470, popularmente conhecida como mensalão, que ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF).

Dependendo da forma como o Supremo se pronunciar, ele dará contribuição fundamental ao combate à corrupção. Como diversos trabalhos sugerem, a redução da corrupção deve ter impactos positivos sobre o crescimento no longo prazo de nossa economia.

A grande dificuldade em crimes do colarinho branco é que é difícil haver prova material. Assim, o julgamento há que se basear em provas circunstanciais ou indícios.

Um exemplo paradigmático foi o caso do escândalo dos anões do Orçamento em 1993. O deputado João Alves, para justificar a evolução de seu patrimônio, explicou que Deus lhe dera muita sorte e apresentou como prova diversos bilhetes premiados de loteria.

Não há prova material. De fato, a prova material, os bilhetes de loteria, concorriam para a absolvição. O problema é que a probabilidade de que esse evento ocorra é praticamente nula.

Nesse ponto, a sociedade pode perseguir dois caminhos distintos. Primeiro, alegar que é obrigação do Judiciário produzir as provas materiais. No caso do deputado João Alves, o Judiciário deveria mostrar que ele comprava os bilhetes premiados, o que provavelmente inviabilizaria a caracterização de culpa, pois João Alves havia tomado precauções para encobrir as operações.

Um segundo curso de ação que a sociedade pode tomar é reconhecer que a probabilidade de alguém ganhar inúmeras vezes em uma loteria é praticamente nula e, portanto, que o Judiciário deve condená-lo baseado nessa evidência.

Assim, quando tratamos de crimes do colarinho branco, em geral as provas são circunstanciais. Dificilmente há prova material contundente.

O Judiciário tem que trabalhar com dois tipos de erro: condenar um inocente ou não punir um culpado.

Há um teorema conhecido em estatística que mostra que, se as regras processuais forem construídas de forma a que a probabilidade de prender um inocente por crimes do colarinho branco seja nula, a probabilidade de prender um culpado também será nula.

O Brasil deve ser o país no qual o sistema jurídico evita com mais força a condenação de um inocente.

Pode-se afirmar que é praticamente impossível um inocente com um bom advogado ser condenado por crime do colarinho branco.

Isso porque nós devemos ser o único país no mundo no qual:

. há quatro instâncias de julgamento (Justiça de primeiro grau, de segundo grau, Superior Tribunal e Supremo Tribunal);

. sempre é possível recorrer da sentença e qualquer ato jurídico é passível de um recurso;

. a litigância de má-fé dificilmente é caracterizada nos tribunais;

. e, finalmente, temos o princípio de que a presunção da inocência somente deixa de existir depois que todas as instâncias se pronunciam sobre todos os recursos!

Além de todo esse pacote, a tradição de nosso Judiciário é somente aceitar evidência material contundente.

O STF, ao aceitar uma série de provas circunstanciais como prova de um crime de colarinho branco, reduz o requerimento para a condenação.

No Direito, existe o princípio de que, se houver dúvida, o réu deve ser considerado inocente (in dubio pro reo). No Direito norte americano existe outro princípio, de que se a dúvida que existe com relação à culpa de um réu for além de uma dúvida razoável ("beyond any reasonable doubt"), o Judiciário deve condenar o réu.

Vejo na decisão do STF um sinal de democratização de nossa sociedade. O elevadíssimo e excessivo requerimento de prova para crimes do colarinho branco é um entulho da sociedade oligárquica no qual a Justiça dos homens bons é diferente da Justiça dos comuns.

Oxalá o próximo passo de democratização de nosso Judiciário seja a aprovação pelo Congresso do projeto de emenda constitucional (PEC) de autoria do ministro Cezar Peluso e iniciativa do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

A PEC determina que o cumprimento da pena, em caso de condenação, comece em seguida à condenação na Justiça de segundo grau. A pessoa pode ter acesso às instâncias superiores, mas cumprindo a pena.



loading...

- Moro Diz Que Justiça é Ineficiente Diante De Crimes De Colarinho Branco
Imagem: Reprodução / IstoÉO juiz responsável pelas ações penais da Operação Lava Jato, Sérgio Moro, criticou nesta sexta-feira, 3, a morosidade Justiça e afirmou que o sistema "é mais ineficiente" quando envolve crimes de colarinho...

- Juiz Da Lava Jato Apresenta Ideias Para Aperfeiçoar O Combate à Corrupção; Leia
Imagem: Reprodução / Redes SociaisEm artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o juiz Sérgio Moro, responsável pelo julgamento da operação Lava Jato, juntamente com Antonio Cesar Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais do...

- Celso Bandeira De Mello: Quem Julgou Foi A Imprensa
Artigos Celso Bandeira de Mello:  "Quem julgou foi a imprensa"  Jurista Celso Bandeira de Mello fala dos erros do Supremo na ação penal 470 e defende o impeachment de Joaquim Barbosa  Por Aray Nabuco, Frédi Vasconcelos, Lilian Primi,...

- Mensalão Vai Influenciar Outras Ações De Corrupção : Versão Impressa - Política
O Estado de S Paulo A tendência do Supremo Tribunal Federal de "flexibilizar" o Direito Penal no julgamento do mensalão, ao condenar por corrupção sem exigir ato de ofício, vai refletir diretamente nas ações penais em curso na primeira instância...

- A 'pec Do Peluso' Editorial O Estado De S.paulo
 - 22/05/11 A proposta de mudança constitucional inspirada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, que considera transitadas em julgado as ações que tiverem sido examinadas em segunda instância, desencadeou um vivo debate...



Política








.