O que os vizinhos pensam do Brasil SERGIO FAUSTO
Política

O que os vizinhos pensam do Brasil SERGIO FAUSTO


O Estado de S.Paulo - 17/07/11

O protagonismo do Brasil na América do Sul não é uma questão de escolha. Tornou-se um dado da realidade, com o declínio relativo da Argentina e a perda de influência dos Estados Unidos na região. Deve até aumentar no futuro previsível, dadas as tendências expansionistas da economia brasileira. A questão é saber se esse protagonismo se traduzirá em liderança e se ela será positiva para a região em seu conjunto.

Em síntese, essa foi a visão da maioria dos líderes políticos sul-americanos presentes em mesa-redonda organizada recentemente pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) para discutir o papel do Brasil na América do Sul. Participaram da discussão o ex-presidente da Bolívia Carlos Mesa, o senador chileno e ex-chanceler Ignacio Walker, a senadora uruguaia Constanza Moreira, o ex-ministro da Justiça do Peru Fausto Alvarado, além de vários brasileiros, como os embaixadores Sergio Amaral e José Botafogo Gonçalves e o ex-chanceler Celso Lafer. Uma amostra representativa da centro-esquerda democrática sul-americana.

Apesar de uma percepção em geral positiva sobre o Brasil, detectam-se incerteza e mesmo inquietude em relação ao "gigante sul-americano".

Existe receio de que a expansão das exportações e dos investimentos brasileiros em outros países da América do Sul prejudique a capacidade de produção e geração de empregos de suas economias. E que isso leve mais água para o moinho de governos, partidos e/ou movimentos adeptos de um nacionalismo retrógrado com inclinações populistas e autoritárias. Em países menores, sobretudo naqueles onde há ressentimento histórico em relação ao Brasil, como a Bolívia e o Paraguai, é bem vivo o temor de que o extravasamento da economia brasileira acabe por levá-los a uma situação de subordinação política ao colossal vizinho. Mesmo no Uruguai, o mais desenvolvido dos pequenos países fronteiriços, observa-se um incipiente nacionalismo antibrasileiro, em reação à compra de terras em quantidade crescente por empresas brasileiras naquele país.

Algumas características do investimento brasileiro na região reforçam o sentimento descrito. O fato de grandes companhias brasileiras receberem apoio do BNDES para a aquisição de empresas locais acentua a percepção de que nosso país conta com um poder excessivo, derivado não apenas do porte e da eficiência de seus maiores grupos empresariais, mas também da estreita associação entre eles e o Estado brasileiro. A propósito, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, o presidente da União Industrial Argentina afirmou, com exagero característico: "Só quando tivermos um BNDES poderemos abaixar a guarda".

A reação à crescente presença brasileira na América do Sul poderia ser atenuada se fossem os investimentos feitos em parceria com grupos locais, mas as joint ventures são raras, predominando o controle do investidor brasileiro sobre o negócio. São raros também os fornecedores locais que se beneficiam dos empréstimos concedidos pelo BNDES a governos vizinhos, em financiamentos vinculados ao pagamento de obras e serviços realizados pelas grandes empreiteiras brasileiras nos países da região.

Em suma, à constatação de assimetria na relação com o Brasil soma-se o sentimento de que se está diante de uma competição desleal contra um poder cujo funcionamento parece opaco. De fato, não há nada similar na região à aliança entre grandes grupos empresariais privados, fundos de pensão públicos, empresas estatais e banco de desenvolvimento. Com frequência o investimento e o crédito chineses surgem como alternativas bem-vistas diante do temor de se tornar muito dependente do Brasil, apesar de as relações entre Estado e empresas serem na China muito mais opacas do que aqui.

Além de pouco transparente, o Brasil é visto como "soberanista", isto é, relutante em ceder parcelas de sua autonomia decisória em benefício do fortalecimento de instituições de governança coletiva da região. Desse "soberanismo" faria parte a resistência a pagar o custo financeiro, em favor da integração, correspondente ao tamanho de sua economia, como a Alemanha na Europa.

O Brasil é também considerado ambivalente quanto à importância que sua política externa atribui à região. Embora a centralidade da América do Sul esteja claramente definida no discurso, resta muita dúvida sobre se o Brasil de fato considera que o fortalecimento de sua liderança regional é mesmo necessário à realização de suas ambições como global player. Critica-se o governo brasileiro por supostamente não consultar os governos sul-americanos antes de tomar iniciativas no plano internacional, ao mesmo tempo que invoca a sua condição de líder regional quando lhe interessa fazê-lo nas negociações internacionais.

É nítido o contraste entre a percepção de que o Brasil é autocentrado e até certo ponto voraz em relação aos vizinhos e a opinião que no geral se tem aqui dentro a respeito da atitude do governo brasileiro em relação à região, normalmente percebida como muito generosa com as demandas de alguns países e tolerante com eventuais desmandos contra empresas brasileiras que operam na vizinhança.

Para o Brasil, não se trata, é claro, de moldar o figurino de sua política externa sul-americana à opinião média de seus vizinhos, que, aliás, varia de país a país. Trata-se, isso sim, de constatar que nos faz falta - na sociedade e no governo - um pensamento sobre a América do Sul que leve na devida conta a percepção dos outros países da região a nosso respeito, sem perder de vista os interesses brasileiros. Precisamos de uma visão abrangente e de longo prazo, que não se deixe levar por simpatias ideológicas episódicas nem por ilusões de que o peso econômico do Brasil se traduzirá automaticamente em maior liderança política. À medida que cresça a nossa presença na região, essa visão será cada vez mais indispensável.

DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP



loading...

- Imperialismo à Brasileira
Avanço do Brasil assusta vizinhos da América do SulGabriel Bonis - Carta Capital Nas últimas semanas, empreendimentos bilionários de empresas brasileiras em países da América do Sul, que incluem a construção de uma hidrelétrica no Peru e a exploração...

- Sergio Fausto*: Não Bastam Remendos Na Política Externa
"Antes, (estava) o Chávez, (que) era amigão do Lula. Quando eles se encontravam, destravavam os pagamentos. Agora as coisas se complicaram." Assim se expressou uma fonte citada em matéria do jornal Valor Econômico, na edição de 5/3, sobre os pagamentos...

- O Brasil E A América Latina Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo - 26/07/2011 Em recente mesa-redonda organizada pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso para discutir o papel do Brasil na América do Sul foram ressaltadas, entre outros aspectos, a inexistência de uma estratégia mais clara...

- Cooperação Complicada O Estado De S. Paulo Editorial,
O governo brasileiro convidou ministros de Finanças e de Relações Exteriores de toda a América do Sul para discutir em Brasília, na segunda-feira, a crise internacional, as ações defensivas de cada país e formas possíveis...

- Uma Nova Política Externa
JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES A relação do Brasil com os países vizinhos não é mais a mesma. O episódio recente no Equador, com a expulsão da Odebrecht e a ameaça do presidente Rafael Correa de não pagar um empréstimo do BNDES, constitui mais...



Política








.