Suzana Villaverde
Humberto Michalchuk/Prata Gelatina |
MÁ VONTADE A psicóloga Manu Maciel: "Você sai da loja se achando a maior das mulheres" |
Muitas meninas sonham ser bailarinas, mas a paulistana Renata Vaz queria mais. Planejava abrir sua própria academia de balé, cheia de alunas promissoras. Enfrentando as barras desde os 7 anos, ela estudou dança durante uma década. O grand jeté que planejava para sua vida veio abaixo quando foi reprovada pelos jurados do exame de formatura. "Eles não apontaram nenhuma falha na técni-ca, mas disseram que minha barriga ficava muito saliente", conta Renata, que tem 1,70 metro de altura e na época pesava 60 quilos. "A professora falou que eu era muito gorda para ser bailarina clássica, mas se emagrecesse conseguiria o certificado. Foi a morte para mim." Renata é consultora de marketing, está com 27 anos, pesa 80 quilos e voltou a dançar. "Todas as meninas que fazem aula comigo pesam 30 quilos a menos. Sei que não vou ser bailarina, mas é minha paixão."
Inconcebíveis no mundo das sapatilhas e da leveza etérea, as pessoas obesas enfrentam na vida normal uma barreira universal de preconceito que vai desde as piadinhas humilhantes até a violência. "Quando era mais nova, cheguei a andar com pedras na bolsa para me defender", diz a fotógrafa Kátia Ricomini, 31 anos, 122 quilos. "Certa vez comecei a ser empurrada por um grupo de meninos dentro do ônibus. Achei que alguém fosse me ajudar, mas o cobrador até fechou a catraca para me impedir de descer." Um episódio similar, porém mais violento, levou a americana Marsha Coupe a organizar uma espécie de movimento de protesto contra o "gordismo". Marsha, 53 anos, 135 quilos, mora em Londres e estava voltando de uma visita ao marido internado com câncer quando foi agredida dentro do trem por uma mulher. "Ela me chutava e dizia que gente como eu merece morrer. Levei um soco no olho e, como uso lentes, quase fiquei cega. Não via nada, só ouvia a voz cheia de ódio me chamando de porca gorda."
Lailson Santos |
BANIDA NA BARRA Renata na aula de balé: "Disseram que minha barriga ficava muito saliente" |
Se ter alguns quilos a mais já perturba o cotidiano de muita gente, imagine sofrer da doença do milênio, como a Organização Mundial de Saúde classificou a obesidade. "Pedir ajuda para achar um número é ter de ver a cara de má vontade da vendedora. Você sai se achando a maior das mulheres", diz a psicóloga curitibana Manu Maciel, de 29 anos, 80 quilos, sobre a experiência banal de entrar numa loja para comprar roupas. "Depois ainda tenho de ouvir do meu marido que ele também tem problemas na hora de encontrar sapato 44", brinca. As manifestações preconceituosas em matéria de raça, sexualidade e religião são unanimemente condenadas, ainda que apenas da boca para fora – e nesse campo é uma homenagem que o vício presta à virtude –, mas os muito gordos são sempre julgados pelo peso. Na vida real ou na ficção, espera-se que sejam apenas engraçados, espirituosos ou piadistas. Qualidades morais indesejáveis, como falta de força de vontade, gula incontrolável e até carência emocional, são automaticamente associadas ao excesso de peso. "As pessoas enxergam o gordo como responsável pelos próprios males. É como se a sociedade dissesse que quem quer ser tratado com respeito deve emagrecer, quando na verdade todo ser humano merece ser respeitado, independentemente de seu tamanho", diz Allen Steadham, criador de uma ONG que promove a criação de leis para garantir os direitos dos obesos nos Estados Unidos, evidentemente o campo mais fértil para isso.
Lailson Santos |
CONTRA O "GORDISMO" Marsha Coupe: marcas da agressão (à esq.) e protesto para denunciar o preconceito |