Os direitos humanos do dinheiro - VINICIUS TORRES FREIRE
Política

Os direitos humanos do dinheiro - VINICIUS TORRES FREIRE




FOLHA DE SP - 20/01/12

Uns fundos de investimento chamados "hedge funds" ameaçam levar o governo grego à Corte Europeia de Direitos Humanos caso o país dê um calote, diz uma história publicada no "New York Times".

A Grécia negocia uma redução de mais de 50% de sua dívida com credores privados (R$ 510 bilhões de um total de R$ 800 bilhões de débitos). Banco Central Europeu e FMI, com cerca de um terço da dívida grega, não serão tungados -mais um argumento dos "hedge funds" para querer o dinheiro deles de volta.

Muito credor privado deve aceitar o "calote suave", até porque não tem alternativa e, caso a Grécia venha a dar calote puro e simples, o tumulto será tal que bancos perderão mais dinheiro em outras praças.

Mas alguns "hedge funds" querem "diversão garantida ou seu dinheiro de volta". Consideram o calote uma violação de seu direito de propriedade, um direito humano na Europa. Essas firmas são a ponta de lança dos investimentos financeiros mais complexos do planeta.

Especula-se (não há como ter certeza) que muito "hedge fund" comprou títulos da dívida grega na liquidação (baratinho) e, ao mesmo tempo, fez contratos de seguro contra a perda com tais papéis (na verdade, compraram CDS, "credit default swaps", um título financeiro que funciona como um seguro contra calotes, grosso modo). Ontem, a dívida grega que vence em março valia apenas 44% do valor de face.

Caso a "reestruturação" de parte da dívida grega seja considerada calote pela International Swaps and Derivatives Association (Isda), os CDSs terão de ser pagos (pela contraparte dos "hedge funds").

Haverá "calote" se a "reestruturação" não for "voluntária". Aliás, a tunga é oficialmente chamada de "envolvimento do setor privado", mais eufemismo para sujeiras.

Se o calote for "oficializado" pela Isda, os "hedge funds" pegariam seu dinheiro de volta, também detonando curtos-circuitos na finança europeia (pagamentos de coberturas de prejuízos em série).

A Isda é uma associação de firmas financeiras e outras que procura colocar alguma ordem nas negociações de derivativos negociados fora de Bolsas e assemelhados.

Um CDS é um derivativo, um título financeiro cujo valor depende de um outro papel (no caso, os papéis da dívida do governo grego).

O mais divertido, porém, é o sentido último da possível iniciativa dos "hedge funds". Se esse pessoal tivesse razão e, pior, ganhasse a ação, estaria extinto o risco (e, portanto, deveriam também ser extintos os prêmios de risco, o extra de juros cobrado devido ao medo de calote).

Como se disciplina um mercado de dinheiro se não há mais o risco de não receber o empréstimo de volta? Pela taxa de retorno, pode ser. Ainda restaria esse sinal de preço para regular os negócios.

Mas, sem risco de calote, haveria empréstimos ineficientes aos montes, certo? O direito pétreo à propriedade do dinheiro tenderia a resultar pois em desperdício de dinheiro, em mercados ineficientes.

Sim, o argumento foi esticado ao absurdo, mas quem detonou a especulação (de ideias) maluca foram os "hedge funds" reclamando direitos humanos. Aliás, podemos imaginar também representantes das crianças gregas que ora dependem de ajuda para comer indo às Cortes pelo direito a vida & comida. Certo?



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