Os dólares do 'seu' Jacques. E os de Dilma Carlos Alberto Sardenberg
Política

Os dólares do 'seu' Jacques. E os de Dilma Carlos Alberto Sardenberg



O Globo - 27/09/2012
 

"Seu" Jacques, conhecido da nossa família no interior de São Paulo, dono de loja de artigos variados, aplicava todas suas economias em dólar. Dólar mesmo, verdinhas, que guardava em casa. Isso faz muito tempo, dos anos 50 para os 60. Quando nós, os mais jovens, começamos a achar que entendíamos de política e economia, tentamos convencer "seu" Jacques que havia investimento melhor. Sim, admitíamos que ele, imigrante que escapara da Rússia em circunstâncias tão dramáticas quanto corajosas, sabia como fora crucial ter uma moeda aceita em qualquer lugar do mundo. Mas agora, mundo novo, dizíamos, ninguém vai sequer pensar em perseguir sua família.
Tudo bem, dizia ele, com sotaque forte, e explicava sua teoria: "Conhece alguém que ficou pobre com um monte de papel na mão? Já viu. E sabe de alguém que ficou pobre com um monte de dólares na mão?" Ou seja, dólar é risco zero. Tanto tempo depois, na era do capital financeiro, a teoria continua valendo. Reparem no dia a dia do mercado global: toda vez que algo se complica, os investidores correm para aplicar em títulos do governo americano. É papel, certo, "seu" Jacques não gostaria, mas valem verdinhas e podem ser trocados a qualquer momento.
Inversamente, quando o ambiente se acalma, os investidores globais voltam aos chamados mercados de risco - títulos do governo brasileiro, por exemplo, ações na bolsa chilena - que pagam mais no momento, embora os reais e pesos equivalentes não sejam aceitos na Sibéria, sequer aqui por perto.
Comprar os títulos do Tesouro americano é perder dinheiro. Os papéis de dez anos pagavam ontem 1,6% ao ano. A inflação americana e a mundial estão passando disso. E se você resolver trocar tudo por dólar-dólar, também vai perder dinheiro.
Como voltou a dizer a presidente Dilma, a moeda americana está sendo desvalorizada em consequência das ações do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA. O Fed está simplesmente imprimindo trilhões de dólares, o tsunami monetário, para comprar papéis privados, irrigar o crédito e, assim, estimular investimentos e consumo.
Quer dizer, isso é o que dizem lá. Nosso governo aqui desconfia que o objetivo do Fed seja provocar uma valorização global de todas as outras moedas e assim encarecer as exportações de todo mundo para os EUA, enquanto barateia as exportações americanas para o mundo todo.
De fato, o dólar se desvalorizou quando o Fed anunciou seu último programa. Mas, tirante Brasília e um ou outro, o mundo bateu palmas. Ocorre que o pessoal viu nessa política um caminho para tirar os EUA da crise, o que é bom para todos.
Reparem: se tudo correr bem, as famílias americanas vão torrar algo como US$ 10 trilhões neste ano. Comprando casas, como espera o Fed, pagando serviços, mas também importando mercadorias do mundo todo, inclusive do Brasil.
Nesse caso, o real fortalecido não será problema, pois todas as demais moedas, especialmente dos emergentes exportadores de commodities, também estão se valorizando em relação ao dólar. Assim, não se altera a posição relativa dos competidores dentro do mercado americano.
Também não há problema nas exportações brasileiras para outros países, já que todos sofrem igualmente o impacto da desvalorização do dólar. Só haveria dificuldades ali onde o produto brasileiro compete com o americano - mas isto é muito pouco. O governo brasileiro, por exemplo, está dando incentivos para a montagem de iPhones no Brasil. Ora, não existe um iPhone sequer fabricado nos EUA. Lá eles fazem o projeto, o desenho, o software, o marketing.
Já perceberam, não é mesmo? Há, sim, um país que ganha competição nessa história toda, a China, que mantém sua moeda alinhada ao dólar. (OK, os chineses têm permitido a valorização do yuan, mas lentamente e interrompida toda vez que há algum stress.) E é com os chineses que os manufaturados brasileiros (iPhones incluídos) têm que concorrer nos EUA, no mundo todo e inclusive aqui no Brasil.
Por que a presidente Dilma não reclama da China? Nesse caso, aliás, seria de interesse do Brasil associar-se aos EUA na bronca com os chineses na Organização Mundial do Comércio. Ou será que o pessoal em Brasília ainda acha que a China é aliada nessa ação, digamos, "anti-imperialismo"?
Por outro lado, o Banco Central brasileiro continua comprando dólares e engordando as reservas. São dólares desvalorizados, mas "você não vai ficar pobre com isso", diria seu Jacques.



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