O Estado de S. Paulo - 21/05/2009 |
A caderneta, os beneficiários dos fundos de pensão e os "rentistas" (os que vivem preponderantemente de aplicações no mercado financeiro) não são as únicas vítimas da derrubada dos juros no Brasil. Segmentos do comércio que vivem mais do retorno financeiro do que dos ganhos operacionais também correm o risco de se perder com a virada do jogo. O professor Claudio Felisoni, da Universidade de São Paulo, especialista em Varejo, calcula que nada menos que 60% do lucro dos hipermercados e do segmento que atua na "linha dura", não provém do retorno mercantil, mas de ganhos financeiros. São aquelas lojas conhecidas do consumidor, que "facilitam o pagamento" em várias prestações, "sem acréscimo e sem juros". Em geral, não aceitam reduzir o valor à vista porque os juros estão embutidos no preço e o comerciante não admite ter menor lucro financeiro, o que, na prática, é seu verdadeiro negócio. A expansão do crédito e a redução dos juros vão mudando esse jogo. Ao longo da luta da sociedade brasileira contra a inflação, o comércio colecionou problemas parecidos. Houve o tempo em que boa parte dele ganhava mais das aplicações do seu caixa nas operações do overnight (retorno financeiro por um dia) do que da intermediação comercial. Foi o momento da proliferação de farmácias, postos de gasolina e supermercados. Como o comerciante recebia do seu freguês à vista e pagava seu fornecedor a prazo, o giro do caixa no mercado financeiro lhe dava mais retorno do que o comércio propriamente dito. O mergulho da inflação acabou com a galinha de ovos de ouro, mas o comerciante que não percebeu a mudança e não ajustou sua empresa se deu mal. Tão logo acabaram os controles de preços que prevaleceram ao longo de mais de 20 anos (até 1994), os ramos do comércio que ganharam da administração de estoques e das "viradas das tabelas de preços" quase desapareceram. Um amplo número de atacadistas enfrentou essa paulada. Outros negócios afundaram quando o grande comércio passou a vender aparelhos domésticos à vista e, portanto, com preços desinflados dos ganhos financeiros. Antes de quebrar, em 1998, Girz Aronson, o proprietário da rede G. Aronson, reivindicava que supermercados fossem proibidos de vender linha branca e eletrônicos. Com essa história de vender à vista, por uma fração do preço total praticado pela rede, os supermercados minaram a atividade da G. Aronson, baseada em negócios a perder de vista, em prestações que cabiam no salário do consumidor, mas que levavam alta carga financeira. Hoje, segmentos inteiros do varejo, como os de confecção, materiais de construção, móveis e aparelhos domésticos, trabalham com parcelamento em muitas prestações mensais, por meio de cheques pré-datados ou boletos bancários. Parte dos recursos que apoiam os financiamentos provém de administradoras de cartões de crédito e bancos que operam no desconto de recebíveis. Mas nesse bolão há muito capital próprio do comércio. Este é outro episódio da longa história do combate à inflação. A normalidade econômica parece próxima e isso muda muita coisa. Ela não vai só exigir mais eficiência do varejo. "Quando os lucros financeiros desabarem, o comércio vai se ver na contingência de espremer cada vez mais seu fornecedor", adverte Felisoni. Confira Empinando - Os preços do petróleo fecharam ontem acima dos US$ 62 por barril em Nova York, maior cotação desde novembro. O fundo do poço foi US$ 34 em fevereiro. De lá para cá a recuperação dos preços foi de nada menos que 82%. |