Sandra Brasil
Ana Araujo |
O felino do Democratas |
Há uma nova bancada no Congresso: a dos políticos que se submeteram a cirurgias bariátricas – de redução do estômago. A bancada dos neomagros é uma das faces mais visíveis do contingente de 30 000 brasileiros que, por ano, deixam as maratonas em spas, as dietas esdrúxulas e as bolas para emagrecer e optam por um, digamos, posicionamento mais radical diante da realidade calórica. O mais novo integrante dessa bancada é o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), de 58 anos, que se submeteu à intervenção há menos de dois meses. Heráclito exibia 1 metro e 30 centímetros de cintura (40 centímetros a mais do que o ideal) e sofria de três problemas relacionados à obesidade: hipertensão arterial, glicose elevada e apneia do sono – aquelas interrupções da respiração durante a noite. Suas noites eram tão conturbadas por causa do problema que, há quatro anos, ele passou a dormir com um aparelho que injeta ar nos pulmões e, assim, evita sufocamentos.
O senador piauiense lutou contra a balança por quinze anos. Nesse período, adotou os mais diversos tipos de regime. "O pior foi a dieta do atum", lembra. "Durante três meses, só comi esse peixe. Não aguento mais nem sentir o cheiro dele", diz. O mais eficiente foi o corte radical de carboidratos e sua substituição por proteínas e gorduras, conforme a receita preconizada pelo médico americano Robert Atkins (que, aliás, sofreu um infarto). "Cheguei a perder 18 quilos, mas os recuperei de novo, porque não aguentei ficar sem carboidratos", afirma. Mas nada foi mais traumático para ele do que a experiência com Xenical. Nos anos 90, quando ainda era deputado, Heráclito usou o remédio, que facilita a eliminação de gordura pelas fezes. "Naquele tempo, eu não podia ter emoções fortes. Vi colegas que não conseguiam se controlar e se sujavam nos corredores da Câmara", diz. Ainda assim, convenhamos, a sujeira é maior agora, quando já não há deputados tomando Xenical.
Heráclito recorreu a essas tristes memórias para tomar coragem e enfrentar as primeiras semanas do pós-operatório, nas quais ingeriu somente alimentos líquidos, de meia em meia hora, e na quantidade máxima de 50 mililitros a cada vez. O início da segunda etapa, quando passou a fazer sete refeições diárias de 150 mililitros de alimentos pastosos, teve ares de vitória eleitoral. Ele agora está decidido a atropelar na disputa final com a balança. Em quarenta dias, perdeu 20 quilos. "Quero voltar a ser o gato que eu era na juventude", anuncia. Brasília vai tremer.
Ana Araujo e Paulo Lima/Ag. Senado |
Foi no fim do ano passado que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), de 48 anos, recebeu o diagnóstico que o levaria a decidir-se pela cirurgia bariátrica. Como seu quadro de diabetes havia piorado, o médico ameaçou prescrever-lhe injeções diárias de insulina. "Vi, então, que estava na hora de operar", diz. O diabetes de Demóstenes data de 1995, mas ele não havia mudado seus hábitos alimentares. "Eu era um glutão que comia três pamonhas no lanche. Agora, só consigo comer metade de uma pamonha no lugar da refeição", compara. Ele também passou a fazer exercícios físicos. "Preciso ganhar 7 quilos de músculos para não ter de fazer plástica de abdômen." O número das suas calças caiu de 54 para 46 em seis meses. A nova forma física injetou uma dose de autoestima em Demóstenes. "As paqueras aumentaram muito", comemora ele, que se divorciou há três anos. É, pelo jeito, os políticos brasileiros não pensam só naquilo que todo mundo acha que eles pensam. Pensam também naquiiilo...
Fotos Roosewelt Pinheiro e Cristiano Mariz |
No Senado, a pioneira da bancada dos neomagros é a aguerrida Ideli Salvatti (PT-SC), de 57 anos. "Fazer a cirurgia foi uma questão de sobrevivência, porque eu já estava no estágio de obesidade mórbida", diz. "Sem a operação, eu não aguentaria os rojões que seguro no Congresso", diz Ideli, chamada de "pit bull do governo". Desde que se submeteu ao procedimento, em novembro de 2003, a senadora perdeu 40 quilos – quer dizer, 37: três deles voltaram nas eleições de 2008. "Outro dia, tentei em vão levantar a quantidade de peso que perdi em sacos de arroz de 5 quilos cada um. Como eu conseguia carregar aquilo tudo?", pergunta-se. Hoje, Ideli ingere um terço da comida que costumava traçar às refeições. "Passei a me amar muito", afirma. E a ser amada. Bem mais magra, Ideli modernizou o guarda-roupa e começou a namorar um sargento do Exército doze anos mais jovem que ela. Ao lado dele, a danadinha da pitbull até parece uma lulu!
Outra petista que anda de bem com a vida é a deputada Iriny Lopes (PT-ES), de 53 anos. Há quatro anos, ela era obesa mórbida, como Ideli. Optou por reduzir o estômago (com um anel de silicone, em vez de cortar um pedaço), porque tinha picos hipertensivos e apneia do sono. Desde então, perdeu 46 quilos. "Muita gente fica em dúvida se sou eu mesma na versão magra quando me encontra na rua", diz. Iriny tem orgulho do resultado, mas sofreu até alcançá-lo, por causa de uma característica, por assim dizer, muito petista: a sofreguidão. Ela foi parar duas vezes no hospital por ter comido porções de alimentos grandes demais para passar pelo anel de silicone. "A sensação é horrível. Em uma das vezes, a carne só saiu com uma endoscopia", diz. "Depois, aprendi a lição: preciso de pelo menos quarenta minutos para comer com calma e sem conversar com ninguém. Almoço e jantar de trabalho, nem pensar." O deputado Bernardo Ariston (PMDB-RJ), de 39 anos, também obteve resultados impressionantes: perdeu 64 dos 157 quilos que pesava até junho de 2008. Foi para a mesa de cirurgia depois de uma suspeita de infarto e de passar meses deprimido. "Eu ficava em casa porque não tinha ânimo para nada e cheguei a ser apontado pela mídia como o deputado mais ausente da Câmara", diz. Agora, comemora a forma conquistada com três sessões semanais de exercícios. "Meu rendimento como parlamentar, pai e marido é outro", garante. É de perguntar se tanta disposição não está saindo mais caro ao
contribuinte.
A cirurgia de redução de estômago só deve ser feita em pessoas com sérios problemas de obesidade ou de diabetes e que precisam mudar seus hábitos, caso dos parlamentares ouvidos nesta reportagem. "A intervenção resolve apenas metade do problema. A outra depende de o paciente fazer atividade física regular e se alimentar de forma saudável", diz Thomas Szegö, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica. A cirurgia não funciona para quem não muda seu estilo de vida. O ex-deputado estadual mineiro Eduardo Brandão (PMDB) continuou a se alimentar de forma desregrada depois de reduzir o estômago, em 2005. Seis meses depois, um infarto o matou aos 47 anos. "Eduardo perdeu 32 quilos, mas continuava comendo gordura e não fazia exercícios", diz a sua viúva, Gláucia Brandão, deputada estadual pelo PPS. Cuidado, portanto, neomagros.
Fotos Ana Araujo e Arquivo pessoal |
Fotos Sérgio Cardoso e Cristiano Mariz |