28/8/2008 |
Da série de reportagens do GLOBO sobre os lucros do crime organizado e dos especuladores da miséria pela exploração ilícita de serviços em favelas do Rio saltam duas evidências: é inadiável a tarefa de recuperar essas áreas das mãos da marginalidade, através de um choque de ordem, assim como não se pode mais postergar o resgate dos seus habitantes - subjugados pelo crime, pela usura e pela corrupção - para a cidadania e a formalidade. À omissão do poder público nas favelas em todas as suas instâncias correspondeu, ao longo dos anos, o aumento da influência dos traficantes, das milícias e, vê-se agora pelas reportagens, de aproveitadores de ocasião, como funcionários públicos que vendem facilidades e grandes proprietários de imóveis que fazem da informalidade a base para lucros obtidos ao largo do controle do Estado. O choque de ordem que reintegre essas áreas à sociedade passa, com certeza, pelo combate imediato à criminalidade por meio do braço policial do Estado. Mas esse é apenas um viés das ações recomendáveis. É imperioso também que o poder público ali esteja presente em tempo integral, suprindo com instrumentos legais as demandas de serviços capturados pelo banditismo e oferecendo à população benefícios adicionais, embutidos em rubricas como educação e saúde. Intervenções episódicas, notadamente as que se resumem a operações policiais, são insuficientes para inibir o crime e dele retomar o monopólio da força. Mesmo porque entre os agentes públicos usurpadores há policiais. No combate à informalidade residem dificuldades igualmente titânicas, mas nem por isso inatacáveis. Há, evidentemente, casos de favelas em que o poder público deve ter coragem política suficiente para avaliar a necessidade de remoção. Mas aquelas onde ao fato consumado não se juntam aberrações que agridam imperativos urbanísticos ou de segurança devem ser contempladas com programas sociais que enfrentem os desafios nelas recorrentes - entre eles, a regularização efetiva da titularidade dos imóveis, poderosa alavanca para elevar a renda das famílias, pois a escritura pode abrir as portas do mercado formal de crédito, como demonstrou o economista peruano Hernando de Soto. Incontáveis pequenas firmas podem ser criadas a partir da formalização da posse. Os números apontados pelas reportagens sugerem que a baixa qualidade de vida das favelas não é decorrência de um estado de pobreza absoluta. O faturamento obtido com atividades clandestinas revela um montante de recursos que alimenta tão-somente esquemas viciados, controlados por traficantes, milicianos, especuladores e agentes públicos corruptos. Poderia ser um dinheiro a reverter em benefícios para os moradores, na forma de serviços oficiais financiados pelo poder público, caso fosse gerado por atividades formais submetidas ao controle legal do Estado. |