Na segunda-feira conversei com a minha empregada sobre a nova lei e descobri que estava muito assustada, com medo de ser demitida. É que, do seu grupo de amigas, ela era a única que continuava no emprego. Naquele mesmo dia, soubera de três novas demissões, entre amigas e conhecidas; uma das demitidas tinha 14 anos de casa.
Essas moças estão, compreensivelmente, desesperadas. Muitas têm filhos. Tinham carteira assinada. Os patrões, de modo geral, se propõem a mantê-las como diaristas, vindo duas vezes por semana, mas esta é uma solução ruim para todos, já que perdem os empregadores, que terão eventualmente de lidar com mais gente (ou com ninguém) em casa, e perdem as domésticas, que forçosamente terão de lidar com mais patrões.
Na minha casa tudo continua na mesma, pelo menos em relação à carga horária. O trabalho começa às 10h e termina em geral às 17h, de segunda a sexta, de modo que o problema das horas extras não existe. Reconheço, porém, a dificuldade em determinar o que é trabalho e o que não é na singularíssima relação entre patroas e domésticas, sobretudo quando a empregada dorme no serviço. Caderno de ponto é uma solução bisonha que, na prática, não vai funcionar; o potencial de confusões e de ações trabalhistas que isso pode trazer é incomensurável.
Acho fundamental que as domésticas recebam FGTS. Neste ponto, penso que a nova lei é um indiscutível e necessário progresso (embora muitos dos meus interlocutores no Facebook e no Twitter estejam convencidos de que isso serve mais ao governo, que passará a arrecadar uma fortuna — que não remunera adequadamente — do que às empregadas). Não tenho, no entanto, tanta certeza em relação ao resto, sobretudo em relação à burocracia que se está criando e que, provavelmente, assusta tanto ou mais do que o aumento das despesas. Já há contadores oferecendo pacotes mensais para cuidar da papelada: tem cabimento isso?
o O o
Tenho lido muita coisa a respeito do assunto por esses dias — contra, a favor e muito antes pelo contrário. Só não encontrei ainda quem veja o lado das patroas com isenção, sem tratá-las como milionárias frívolas ou vilãs a priori.
Há, sobretudo na internet, uma mal disfarçada animosidade contra a classe média, o que não deixa de ser curioso, já que a maior parte das críticas vem de gente da classe média. Mas faz sentido. Demonizada por sucessivos governos demagógicos e populistas, ela é rejeitada pelos panfleteiros que, provavelmente, nunca pararam para pensar no assunto, e que imaginam que ser ou não ser classe média é questão partidária, mais ou menos como ser ou não ser Flamengo. Eles decidem que não são, e isso lhes basta para julgar o mundo.
Para essa turma rancorosa, ter empregada passou a ser, se não um crime, uma tremenda falta de consciência social e de modernidade — como se o cargo de doméstica fosse invenção de uma classe ociosa, antiquada e perversa, e não fruto da série de circunstâncias que conhecemos tão bem. Há uma generalização surrealista que pinta um mundo de patrões que trocam de carro importado todo ano e vivem de champagne e caviar enquanto exploram os seus empregados. Não sei quantas vezes li, essa semana, que "Acabou a escravidão!"
Será? Eu daria uma olhada pelo campo e pelas fábricas clandestinas antes de fazer uma afirmação dessas.
o O o
Sim, é verdade que vivemos, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, o rescaldo de uma época em extinção — mas ainda é preciso mudar muita coisa para chegarmos ao ideal da vida doméstica, digamos, "sustentável". Precisamos de alternativas viáveis para as babás e para os cuidadores de idosos. Precisamos de produtos e de serviços mais práticos. E precisamos, acima de tudo, de uma educação que dê boa qualificação a todos, para chegarmos a um mercado de trabalho mais equilibrado e mais justo, tanto para empregados quanto para empregadores.
A nova lei erra ao equiparar casas de família a empresas, e ao pôr todos os tipos de empregados domésticos na mesma categoria. Erra também ao se meter, sem suficiente estudo e debate, numa relação profissional tão delicada. Por causa disso, seu primeiro efeito está sendo um terremoto. Dizem que, com o tempo, a situação vai se ajustar. Não acredito, porque não acredito em soluções milagrosas.
A situação só vai se ajustar — de verdade — no dia em que, neste país, educação for coisa levada a sério, e que as pessoas que hoje trabalham em serviços que não exigem qualquer qualificação tenham formação suficiente para se colocar no mercado. A situação só vai se ajustar no dia em que todos os brasileiros souberem ler, escrever e exercer um ofício com competência.
(O Globo, Segundo Caderno, 4.4.2013)