Nos primeiros dias do mês, um dos nossos grandes jornais publicou
matéria referente aos chamados "restos a pagar", acrescentando que no
dia 1º haviam sido pagos R$ 28 bilhões a esse título, mas que
restariam por pagar R$ 98 bilhões. Também se falava em cancelamento de
contratos que envolviam mais de 33 bilhões, o equivalente ao custo
estimado do trem-bala entre Rio e São Paulo. Ainda se aludia a medida
tomada pela ministra do Planejamento orientando seus colegas no
sentido de selecionar as despesas contratadas pelo ex-presidente e que
não seriam honradas por sua sucessora. Enfim os fatos não poderiam ser
mais graves e, a meu juízo, perturbadores.
Os números eram de tal dimensão que, em face da perplexidade em que me
achava, preferi não enumerá-los, até para não contribuir à difusão de
dados que poderiam ser inexatos. Levei a minha perplexidade a esse
ponto, e a prudência me aconselhou a discrição. Passados os dias de
Carnaval, porém, nada menos que o secretário do Tesouro foi além da
Taprobana em declarações públicas e publicadas que não deixavam mais
sequer o benefício da dúvida, envolvendo pesquisador do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que é uma fundação federal ligada
à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Pois bem, fechando os olhos para a suma gravidade que o fato abriga,
basta dizer que os números são astronômicos e a prática que se
estendeu nos oito anos do melhor governo de todos os tempos, são de
fazer corar um frade de pedra. Disse-se, por exemplo, que a senhora
presidente herdou um problema fiscal mais sério de que o desequilíbrio
que forçou o governo a cortar R$ 50 bilhões nas despesas programadas
para o ano em curso. Fala-se, às abertas, na "maquiagem das contas" e
até em "orçamento paralelo". O fato é que o secretário do Tesouro
informou em publicações que correram o mundo pretender pagar somente
R$ 41,1 bilhões este ano, quando são R$ 128,8 bilhões os "restos a
pagar" acumulados. Não sei se será necessário prosseguir nesse
formidável emaranhado entre dois orçamentos, o que foi publicado no
Diário Oficial, promulgado e sancionado pela presidente, e o outro,
elegantemente denominado de "paralelo", que talvez fosse melhor
chamá-lo de "clandestino" ou "fraudulento", quem sabe de "clandestino
e fraudulento".
Desde estudante acompanho os assuntos públicos da nação, em vários
pontos de observação, mas nunca vira coisa semelhante. De tudo resulta
uma certeza certa, ao contrário do que foi apregoado e festejado, os
oito anos do presidente Luiz Inácio não foram nem os maiores nem os
melhores de todos os governos em todos os tempos...
Em meio a esse espetáculo inominável há um aspecto que se diria
burlesco, o mesmo ministro de Estado que, no governo passado,
engendrou o orçamento paralelo, sob o atual é de supor-se destinado a
desenrolar a milagrosa operação, se não tiver perdido a chave do
enigma.
*Jurista, ministro aposentado do STF