Política
Pe. Augusto: “A vida não espera para brotar. Como a árvore foi plantada, plantemos o sonho do Zé Maria”
A vida por estes lados de cá vale muito pouco. O companheiro Ze Maria lutava contra o paradigma da exclusão pela violenta concentração fundiária e conta o agravante uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi.
A verdade é que as autoridades de nossa regiao não querem reconhecer a existência de uma bomba relógio do agrotóxico contaminando trabalhadores, terras, alimentos e princípalmente os "corpos d'água de nossa regiao.
VAmos ler o texto abaixo publicado no Diarío do Nordeste.
Movimentos sociais realizaram ato para lembrar morte do líder comunitário José Maria antecedendo audiência
Limoeiro do Norte. “A vida não espera para brotar. Como a árvore foi plantada, plantemos o sonho do Zé Maria”. Enquanto o padre Augusto seguia na celebração de luta contra a contaminação por agrotóxicos na Chapada do Apodi, centenas de trabalhadores davam as mãos e oravam de frente para o lugar onde três semanas atrás tombava com 19 tiros o líder comunitário e que agora a família planta duas mudas de mangueira. Sua morte e sua luta ganharam repercussão internacional, e 34 Organizações Não Governamentais (ONGs) europeias divulgam carta em repúdio à situação na Chapada do Apodi e de solidariedade aos movimentos sociais brasileiros.
Alemanha, Áustria, Suíça, Suécia estão representadas em 34 ONGs que acompanham os conflitos de terra e problemas ambientais e de saúde no Brasil e na América Latina. Em carta aberta distribuída por vários outros países da Europa, o movimento compartilha com a reivindicação local de apuração rigorosa no caso do assassinato e ressalta a luta contra a contaminação por agrotóxicos. Por e-mail com a reportagem, o professor alemão Tobias Schmidt, que soube da situação pelo site do Diário do Nordeste, relatou a indignação e surpresa com que recebeu a notícia.
“O assassinado do Zé Maria foi um choque para mim, nunca pensei que isso seria possível nessa região. Foi difícil ficar aqui sem ser capaz de fazer nada. Escrevi artigo e divulguei a notícia aqui, escrevemos uma carta de solidariedade que foi assinada por 35 ONGs e 175 pessoas dos quatro países”, contou Tobias, da Cooperação Brasileira na Alemanha (Kooperation-Brasilien) e que, no ano passado, esteve no Nordeste estudando as estratégias ambientais e de recursos hídricos, além dos conflitos na Transposição do Rio São Francisco, como pesquisa de seu trabalho de doutorado acadêmico na Alemanha.
Em um dia de audiência pública (ver matéria na Editoria de Cidade), mas antecedida de protestos e gritos por justiça, a viúva, Lucinda Xavier, as filhas e as irmãs de José Maria Filho levaram mudas de mangueira para plantar no local do assassinato, após terem participado de ato na igreja da localidade do Tomé, do qual também participaram representantes dos trabalhadores rurais.
Movimentos sociais
Ainda abalada, a família empunha faixas, cartazes, segura a muda para o ato simbólico, mas evita falar sobre o caso, e mesmo sobre as reivindicações que estão ali representando. O que a comunidade do Tomé, receosa, evita falar, representantes do Movimento dos Sem Terra, Via Campesina, Pastoral da Terra, Cáritas Diocesana e pesquisadores das universidades dão voz a essas reivindicações.
Na carta, os movimentos da Europa afirmam ser “de conhecimento das comunidades locais e de nós, organizações sociais no Brasil e no exterior, que Zé Maria lutava contra os coronéis do agronegócio do Vale do Jaguaribe e contra o uso excessivo de seus agrotóxicos. Com sua atuação resoluta e corajosa frente às comunidades, ele colocou a Chapada do Apodi no mapa das injustiças ambientais, realizado pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)”.
Segue o documento: “Através de sua iniciativa, liderança e coragem, Zé Maria conquistou a aprovação da lei na comunidade de Limoeiro, que proibiu a pulverização de agrotóxicos na mesma. Todos que acompanhavam sua luta sabiam que ele incomodava os grandes produtores e que ele próprio já havia comentado sobre pressões e ameaças que sofria”.
Durante o dia de ontem, em caminhada pela estrada principal da Chapada do Apodi, a pé e de mãos dadas, os trabalhadores e militantes sociais gritavam nomes de vários líderes que foram assassinados no Brasil, como, por exemplo, o ambientalista Chico Mendes e a missionária Dorothy Stang, seguidos de frases como “vive, vive, vive”, e “a luta continua”.
EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS
Concentração fundiária gera conflitos
Limoeiro do Norte. Uma região rica, das mais valiosas para a fruticultura irrigada do Nordeste, com terras entre os estados do Ceará e Rio Grande do Norte, a Chapada do Apodi era, 20 anos atrás, terra da agricultura de sequeiro, mas a transformação pela qual tem passado, tornando-se grande polo agrícola, tem como pano de fundo o problema da concentração fundiária ilegítima segundo o próprio Dnocs, que gerencia o perímetro irrigado. Além de faltar título de terras, as novas propriedades geraram a expropriação de 81% dos antigos trabalhadores rurais do local.
Em 1992, da área-piloto e da primeira etapa do Projeto Irrigado Jaguaribe-Apodi, criado pelo Dnocs, possuía 316 irrigantes. Estrutura com canais, tanques e dutos de irrigação foram construídos para que se pudesse plantar na região o ano todo; em 2009, apenas 61 dos antigos irrigantes continuaram na área-piloto e na primeira etapa do projeto. Assim, de cada dez irrigantes que viram o projeto “nascer”, apenas dois continuam na área. Os números são do Dnocs e do Ministério da Agricultura e foram levantados pela geógrafa e pesquisadora Bernadete Freitas, que há uma década estuda os impactos da concentração fundiária na Chapada do Apodi.
Muitas das terras foram apropriadas de forma ilegítima, segundo o próprio Dnocs, por grandes empresas fruticultoras, que compraram terras em nome dos irrigantes e, embora não pudessem “ainda” ter a titulação da terra, comprometiam-se a pagar, dentre outras coisas, as dívidas rurais assumidas pelos antigos irrigantes junto aos bancos.
Denúncia na Procuradoria
O líder comunitário José Maria Filho, que na época fundou a Associação dos Ex-Irigantes do Jaguaribe-Apodi, levou a denúncia para a Procuradoria Regional da República em Limoeiro do Norte, depois encaminhada e acatada pela vara da Justiça Federal nessa mesma cidade, solicitando que o Dnocs realizasse o trabalho de demarcação das terras da União, que teriam sido “invadidas” pelas empresas. Grosso modo, após comprarem sem documento as terras dos irrigantes, os produtores aumentavam o espaço da cerca para além de sua propriedade.
Uma semana após reportagem do Caderno Regional denunciando o fim do prazo para a demarcação de terras por parte do Dnocs, uma equipe desse Departamento foi deslocada para Limoeiro com a missão de catalogar as posses.
Documento assinado pelo então diretor de produção do Departamento, Felipe Cordeiro, dava conta de que “existem muitas áreas que foram invadidas, algumas até arrendadas pelo invasor a terceira pessoa, existem irrigantes oficiais que são arrendatários de outros irrigantes”, anotou ele.
A resolução da demarcação de terras na primeira etapa do projeto de irrigação Jaguaribe-Apodi é o condicionante para que a segunda etapa, ainda ociosa mesmo com estrutura de canais de irrigação, possa ser distribuída para outros produtores, essencialmente os ex-irrigantes que, liderados por José Maria, reivindicavam pela titulação das terras.
Melquíades Júnior
Colaborador
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=784201
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