Noventa e quatro vezes pediu o papa João Paulo 2º perdão pelos crimes cometidos pelos cristãos ao longo de 2.000 anos. Seria demais esperar que ao menos uma vez as organizações internacionais e os economistas convencionais admitam a parte de responsabilidade que lhes cabe na crise financeira em que mergulharam o mundo?
Quando for publicada esta coluna, estarei iniciando desse modo o discurso de abertura no Palais des Nations em Genebra da reunião para celebrar os 30 anos do início do Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento da Unctad, um dos raríssimos estudos que advertiram sobre a ameaça que se avizinhava.
Em visita à London School of Economics, em 2008, a rainha Elizabeth 2ª fez a pergunta inocente que estava em todos os lábios: "Como foi que ninguém havia previsto a crise?". Após meses de silêncio embaraçado, um grupo de economistas britânicos se desculpou: "Majestade, o fracasso em prever o momento, a extensão e a gravidade da crise e em evitá-la (...) foi, sobretudo, uma falha da imaginação coletiva de muitas pessoas brilhantes (...) em entender os riscos que corria o sistema como um todo".
Os sabichões, alguns ganhadores do Nobel, seguros da infalibilidade de seus cálculos sobre o sistema financeiro, haviam tomado seus desejos pela realidade e tinham sido culpados de "hubris", a soberba que desafia os deuses. Em relação às advertências prevalecera naqueles anos uma "psicologia da negação".
Essa é a verdadeira explicação para a imprevisão e as suas devastadoras consequências. Nem todos estiveram cegos para os perigos da orgia de liberalização financeira. A Unctad, no começo dos anos 1990, em pleno auge do triunfalismo da globalização como ideologia (para distingui-la da versão autêntica e histórica), já previa que a década se caracterizaria pela frequência, intensidade e caráter destrutivo das crises financeiras e monetárias.
Poucos prestaram atenção. No Brasil, os mestres do "saber superficial, pretensioso e tendencioso" (mas de grande prestígio em Washington e Davos), julgavam a Unctad um dinossauro em extinção. Ao contrário do Fundo Monetário Internacional, que na véspera da crise asiática de 1997 proclamava em seu relatório: "O futuro da economia mundial é cor-de-rosa"! Ou que, um ano após o início da atual crise, insistia que tudo não passava de perturbação passageira.
Não é o feio pecado da "alegria do profeta" que me leva a dizer tais coisas. É que, tão logo passem os piores efeitos da crise, esse pessoal, hoje de rabo entre as pernas, há de voltar com a arrogância de sempre. Basta atentar na teimosia do FMI em só aceitar controles de capital como último remédio, e não como arma normal do arsenal para evitar crises.
Não foi a falha de imaginação ou inteligência a culpada da imprevisão. A causa é a ideologia, o disfarce de interesses de classe e setores sob roupagem científica. Os que dão as cartas no Departamento do Tesouro e equivalentes na Europa são os mesmos homens do setor financeiro que prepararam a crise. E o único arrependimento que deles se pode esperar é o daqueles que choram o tempo todo no trajeto para depositar no banco seus bônus milionários.