Plano estratégico - Merval Pereira
Política

Plano estratégico - Merval Pereira


O Globo - 04/03/2012

Preocupado com os rumos que pode tomar no Congresso a discussão da
Estratégia Nacional de Defesa (END), o professor Eduardo Brick, da
Universidade Federal Fluminense, criou, a partir de pesquisas do
Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), um projeto de agenda
nacional voltada para reorganizar, fortalecer e sustentar a Base
Logística de Defesa Nacional, de modo que ela possa atender ao que
está previsto, com cinco pontos principais. O problema principal a ser
enfrentado, diz Brick, é a alocação de um orçamento condizente com o
tamanho dos desafios e com os objetivos já definidos. Com o orçamento
atual da defesa, de cerca de 1,6 % do PIB, ele diz que não será
possível ter os instrumentos de defesa implícita e explicitamente
definidos na END. Adicionalmente, a aquisição de complexos sistemas de
defesa envolve processos de longo prazo, impossíveis de serem
gerenciados sem que haja uma garantia de recursos durante esse
período. O segundo aspecto, portanto, alerta Eduardo Brick, é a
definição de um orçamento para defesa de longo prazo, de modo que
também se possa planejar em longo prazo. Esse orçamento deveria
contemplar as necessidades de aparelhamento de meios e seus custos de
operação e manutenção, capacitação industrial e inovação em produtos
de defesa e em seus insumos e processos produtivos. A demanda
governamental é que garante a sustentação da indústria. Portanto, os
planos de aparelhamento, com orçamentos garantidos, são peça
fundamental. Mas eles não podem estar dissociados da necessidade de
capacitação produtiva nem de planos para incentivar e financiar a
inovação. Assim, o segundo ponto da agenda seria preparar um programa
integrado de reaparelhamento, capacitação industrial e inovação para
defesa. O planejamento do Ministério da Defesa da Austrália (Defense
Capability Plan) é uma boa fonte de inspiração para o plano
brasileiro, segundo Eduardo Brick. Define um orçamento de longo prazo,
os sistemas e produtos de defesa que devem ser produzidos, em que
quantidades e datas de entrega, e, adicionalmente, quais capacitações
industriais são essenciais. Para planejar, é fundamental possuir
informações adequadas e de boa qualidade. Existe uma grande escassez
de informações sobre a Base Logística de Defesa. Os sistemas nacionais
de codificação para levantamento de dados estatísticos sobre a
economia não identificam as empresas que desenvolvem produtos para a
Defesa, com pouquíssimas exceções. Esta situação é uma das
consequências da desatenção com que sempre foi tratado esse setor. É
preciso então criar instrumentos para exercer a função de inteligência
tecnológica para Defesa e o acompanhamento continuado da situação da
BLD. O próximo passo seria a criação de um programa de mobilização,
reestruturação e fortalecimento da Base Logística de Defesa Nacional.
A Estratégia Nacional de Defesa define que o setor estatal da
indústria de defesa deverá se responsabilizar por produtos no teto da
tecnologia. Faz-se, portanto, necessária uma definição mais clara das
atribuições dos setores público e privado da BLD. Da mesma forma,
ressalta Brick, existe uma grande deficiência no setor produtivo de
defesa brasileiro, com relação a muitos insumos críticos e
estratégicos, que normalmente são cerceados pelos países que os
produzem, insumos que também são os grandes responsáveis pelo nosso
déficit tecnológico. Na sua fase inicial de criação, a BLD brasileira
quase certamente não terá condições de demanda para justificar
economicamente a produção desses bens. O Estado, portanto, deveria
assumir essa responsabilidade, diz Brick. A capacitação industrial e
de CT&I para defesa envolve uma série de medidas em vários campos, com
destaque para a formação e qualificação de recursos humanos, a
modernização de laboratórios e instalações produtivas e para inovação,
a integração da indústria com os institutos de ciência e tecnologia
(ICT) e universidades, e a disponibilização de serviços técnicos tais
como certificação, proteção intelectual, metrologia e normatização. O
quinto ponto da agenda envolve programas mobilizadores. Esses
programas são, normalmente, compostos por um conjunto articulado de
projetos de pesquisa básica, pesquisa aplicada, desenvolvimento
experimental, engenharia e comercialização pioneira, conduzido com a
participação de empresas, órgãos governamentais, universidades,
centros e institutos de pesquisa e outros atores da área científica e
tecnológica. O programa americano para colocar um homem na Lua e o
programa brasileiro para dominar o ciclo completo de processamento de
urânio são bons exemplos. Eles são fundamentais quando a inovação
interessa a vários setores, e muitos atores devem participar do
esforço para obtê-la. Nestas condições, é importante a existência de
um único responsável pelo programa, com os atributos abaixo descritos.
Este comando único garante foco e evita dispersão de esforços. Esta
característica é particularmente importante no caso do Brasil, explica
Eduardo Brick, onde existem pelo menos três ministérios com
responsabilidades em relação à BLD. Programas mobilizadores devem ser
capazes de arregimentar e aglutinar, de uma forma desburocratizada, o
potencial nacional necessário ao desenvolvimento de novos e
sofisticados produtos, tecnologias e capacitações industriais para
defesa, segurança e competitividade industrial. Para um país que adia
há quatro governos o reaparelhamento das Forças Armadas, especialmente
a compra de caças para a Aeronáutica, tudo isso parece um desafio
quase impossível de superar.




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