Naiara Magalhães
Fotos Aj Photo/SPL/Latin Stock e Hyungwon Kang/Reuters |
COMO ANTES A secretária de Saúde americana, Kathleen Sebelius, garante: nada muda nos exames de mamografia (ao lado) |
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Algumas das mais importantes diretrizes de saúde adotadas nos Estados Unidos estão baseadas nos estudos da U.S. Preventive Services Task Force, uma força-tarefa financiada pelo governo americano e composta de dezesseis especialistas de instituições de ensino e pesquisa que estão entre as mais respeitadas do país. Eles se reúnem periodicamente para avaliar a conduta adotada na prevenção a uma série de doenças. Considerados padrão-ouro, os pareceres emitidos pela força-tarefa orientam políticas de saúde pública, companhias de seguros e médicos em geral. Por isso, as novas orientações sobre o uso da mamografia na prevenção ao câncer de mama, anunciadas na segunda-feira da semana passada, em meio às discussões da reforma do sistema de saúde dos Estados Unidos, causaram a impressão de que o que se propunha tinha mais a ver com economia do que com medicina. Em artigo publicado na revista científica Annals of Internal Medicine, os médicos da força-tarefa recomendam uma redução na periodicidade das mamografias. Em vez de exames anuais, desde os 40 anos, eles sugerem mamografias bienais, a partir dos 50 anos. Ao anúncio das diretrizes, seguiram-se a desorientação de milhões de mulheres – não só daquele país – e reações acaloradas. A Sociedade Americana do Câncer, o Colégio Americano de Radiologia e a Fundação Americana do Câncer de Mama foram enfáticos ao reforçar as recomendações antigas. E, dois dias depois, a secretária de Saúde dos Estados Unidos, Kathleen Sebelius, veio a público garantir: "A força-tarefa apresentou algumas novas evidências para consideração, mas nossas políticas permanecem inalteradas".
A recomendação da força-tarefa baseia-se no argumento de que as mamografias são mais eficazes na detecção a partir dos 50 anos do que desde os 40. "O artigo não traz nada que já não fosse sabido", diz o mastologista João Carlos Góes, diretor científico do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer. As mamografias diagnosticam o tumor em uma em cada 1 300 pacientes das faixas etárias mais altas. Entre as mais jovens, essa relação é de uma em 1 900. Não só porque o exame seja menos preciso nas pacientes com até 49 anos. A diferença entre um índice e outro se deve principalmente à maior incidência da doença nas de 50 ou mais. Do ponto de vista econômico, as diretrizes dos especialistas americanos, se adotadas pela maioria da população feminina, fariam uma diferença e tanto nos cofres públicos. Nos Estados Unidos, 39 milhões se submetem anualmente ao exame, a um custo de 5 bilhões de dólares. Se os médicos passassem a indicá-lo apenas a partir dos 50, a cada dois anos, o número médio de mamografias per capita nas mulheres americanas cairia de catorze para nove ao longo da vida. "Os especialistas americanos seguiram o raciocínio de um gestor de recursos, não o de um médico", diz Alfredo Barros, coordenador do Núcleo de Mastologia do Hospital Sírio-Libanês. Vale lembrar que a mesma força-tarefa, em 2002, determinou a importância da mamografia realizada anualmente a partir dos 40 anos.
O câncer de mama é o tumor maligno mais comum entre as mulheres brasileiras (com 50 000 novos casos anuais) e o que mais mata também (11 000 óbitos a cada ano). Com a popularização da mamografia, nos últimos anos, a taxa de mortes pela doença chegou a cair cerca de 30%. "Adiar a realização periódica da mamografia para os 50 anos significa voltar à década de 70, época em que a mulher só descobria o câncer quando a doença estava em estágios avançados", diz o médico Góes. O exame feito regularmente dos 40 anos em diante permite a detecção precoce. E, quanto mais cedo um tumor é descoberto, maiores são as chances de cura. Trinta anos atrás, 70% dos tumores eram diagnosticados já em fases adiantadas da doença, quando havia pouco ou nada a fazer. Hoje, 30% são descobertos em tais condições. O maior receio dos médicos é o impacto que uma recomendação como a da força-tarefa americana pode causar nas mulheres refratárias aos cuidados preventivos. "Quem já é cuidadosa provavelmente não se deixará influenciar por essa indicação", diz a mastologista Fabiana Baroni Makdissi, do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. "Mas as mulheres que não se cuidam adequadamente podem se considerar liberadas dos exames regulares." Portanto, você, leitora de menos de 50 anos, ignore o que foi publicado nos Estados Unidos e siga fazendo sua mamografia anual.