Investigação da PF indica que diretores da Camargo Corrêa praticaram evasão de divisas e fizeram doações ilegais a políticos
Fabio Portela
Fotos Odival Reis/Diario SP e Joel Silva/Folha Imagem |
BATIDA POLICIAL |
A prisão de três diretores e de um alto executivo da empreiteira paulista Camargo Corrêa pode ter sido a senha para que o Brasil comece a esmiuçar os detalhes de um sistema endêmico de corrupção: a relação entre os partidos políticos e as empresas que vivem de contratos públicos. Os alicerces da Camargo Corrêa foram abalados por uma investigação da Polícia Federal. As apurações se iniciaram há um ano, quando os policiais, ao investigar doleiros, receberam a denúncia de que os diretores da construtora usavam outros doleiros para enviar fortunas para fora do país ilegalmente. Estima-se que, no período da investigação, o esquema tenha movimentado até 30 milhões de reais. A dinheirama saía do Brasil sem deixar rastros nem pagar imposto e era dividida em contas bancárias em paraísos fiscais. Sua destinação final ainda é um mistério, mas há pelo menos uma boa pista: a polícia descobriu que esse mesmo grupo de executivos cuidava das doações feitas a políticos pela Camargo Corrêa. Em conversas gravadas, eles indicam que havia doações “por dentro”, registradas na Justiça, e “por fora”, para formação de caixa dois.
Há anos, empreiteiras como a Camargo Corrêa estão no grupo de empresas que mais recebem recursos dos governos — de todos os governos — graças à construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras de grande porte. Quando chega o período das eleições, aparecem entre as maiores financiadoras dos partidos políticos — de todos os partidos. É um ciclo vicioso no qual os empreiteiros recebem montanhas de dinheiro dos contribuintes e repassam parte dele aos políticos. Até os ascensoristas do Tribunal de Contas da União sabem que empreiteira que não ajuda partidos políticos tem menos chance de conquistar contratos. Gigantes como a Camargo Corrêa são generosos. No ano passado, quando houve eleições municipais, ela repassou “por dentro” 7,4 milhões de reais. Como toda empreiteira, a Camargo Corrêa é apartidária: contribui para agremiações de todo o espectro ideológico. Afinal, nunca se sabe quem estará no poder no futuro. A investigação da Polícia Federal trouxe à tona um mundo que, embora conhecido, nunca havia sido exposto. A empreiteira reagiu com uma nota na qual se diz “perplexa” com a devassa.
Três diretores da empresa acabaram na carceragem da PF em São Paulo: Fernando Dias Gomes, da auditoria, Dárcio Brunato, da controladoria, e Raggi Badra Neto, da divisão de obras públicas. Também foram detidos Pietro Bianchi, que tem cargo de consultor, e duas secretárias. Eles tiravam dinheiro do país por meio de um grupo de doleiros liderados pelo suíço naturalizado brasileiro Kurt Paul Pickel. A polícia grampeou telefones, e-mails e aparelhos de fax de Pickel. Até uma microcâmera foi instalada em sua casa para monitorá-lo. Ele recebia os recursos em espécie nas visitas que fazia incógnito à sede da Camargo Corrêa. Jamais se identificava na portaria. Pegava o dinheiro, mandava-o para três doleiros no Rio de Janeiro e garantia que os recursos dos diretores da empreiteira fossem depositados em paraísos fiscais. As remessas eram de, pelo menos, 200 000 reais. Algumas chegaram a 2 milhões de reais.
Paulo Giandalia/AE |
EM CONTATO |
Enquanto investigavam a evasão de divisas, os policiais flagraram os mesmos diretores da Camargo Corrêa discutindo pagamentos a políticos. Os grampos revelam que esse trabalho era coordenado por Fernando Botelho, um dos donos da empreiteira. Os partidos citados são: PMDB, PSDB, DEM, PPS, PSB, PDT e PP. Pois é, faltou o PT. Mas, preocupado com os desdobramentos da investigação, o presidente Lula convocou o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para acompanhar o assunto e defender... a Camargo Corrêa. Até agora, a polícia não encontrou indícios de que o dinheiro repassado a políticos era o mesmo que viajava por paraísos fiscais. Mas descobriu que, além de fazer doações legais, a construtora mantém um caixa dois para abastecer políticos de forma irregular. O indício mais forte disso é que, nas gravações, os executivos se referem a doações feitas “por fora”. Um deles, Pietro Bianchi, chega a mencionar um arquivo de computador chamado “Eleições”, com todas as contribuições de 2008. Registros semelhantes constariam de um pen drive. As buscas da polícia tinham como objetivo encontrar esses registros. Depois de fazer uma primeira análise do material, o delegado Otávio Rosso informou ao Ministério Público que o resultado foi “ótimo”.
Como a Camargo Corrêa é suprapartidária, a operação da PF apavorou Brasília inteira. Há um bom motivo para isso. Na capital, era conhecida a atuação de Luiz Henrique Bezerra, um lobista da Fiesp que intermediava doações políticas da empreiteira. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que sonha ser candidato ao governo paulista em 2010, diz não temer as investigações. “Em período de eleição, os políticos nos pedem ajuda, seria hipocrisia negar. O que fazemos é apresentá-los a empresas que podem fazer doações. Foi o que ocorreu com a Camargo Corrêa. As doações foram legais e registradas. Fiz isso e continuarei fazendo”, afirma ele. Seria mais prudente esperar o resultado da investigação.
Por dentro, não Em 23 de setembro de 2008, às vésperas das eleições municipais, o executivo Pietro Bianchi, da Camargo Corrêa, conversou por telefone com um homem identificado apenas como Marcelo Marcelo – Nós tínhamos de realizar algumas coisas ontem e hoje e não aconteceram. Pietro – Quais foram? Marcelo – Aquela "tulipa", lembra? Chegou a ver? Pietro – Não. O que era isso? Marcelo – Eram algumas coisas para acontecer ontem... Pietro – Sim, mas o que é? Campanha política? Marcelo – É. Pietro – Por dentro? Marcelo – Não. Pietro – É, então não tô sab... nem eu tô sabendo... tudo... |