Por que ficamos velhos
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Especial Longevidade e Juventude Biologia do envelhecimento
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A ciência ainda não desvendou todos os mecanismos do envelhecimento. Mas uma coisa é certa: só envelhecemos porque deixamos de ser interessantes para a perpetuação da espécie


Thereza Venturoli

Fotos Corbis Sygma/Latinstock

O tempo pode, sim, ser um aliado
Aos 46 anos, a atriz americana Demi Moore é um dos melhores exemplos de como é possível envelhecer bem. Ela hoje está muito melhor do que aos 20 anos. Demi Moore soube tirar proveito da genética privilegiada. Além de muita ginástica e alimentação rigorosíssima, a atriz está exuberante graças às cirurgias e tratamentos estéticos



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Não resta dúvida de que a ciência coleciona conquistas impressionantes tanto em relação à longevidade quanto ao processo de envelhecimento. Se você viu as fotos de Christiane Torloni e sua mãe que abrem este especial, constatou que as cinquentonas de hoje são bem diferentes das de ontem. Agora, dê uma olhada (outra vez, porque é claro que você já olhou) nas imagens da atriz americana Demi Moore. Os anos passam e a beleza dela permanece incólume – e até melhor, sob vários pontos de vista. Ela é mais um exemplo de como a disciplina e os recursos médicos e cosméticos disponíveis podem não só dar uma ajuda à genética como fazer do tempo um aliado. Mas, apesar de todos os progressos em relação aos seus efeitos mais visíveis, o envelhecimento continua a ser motivo de perplexidade para os estudiosos: "Por que um organismo que faz uso de um processo tão intrincado para se transformar de uma única célula em um adulto completo, com trilhões delas, não consegue simplesmente se manter depois de maduro?". O paradoxo é apresentado desse modo pelo gerontologista Robert Arking, da Universidade Estadual de Wayne, nos Estados Unidos, na Enciclopédia dos Sistemas de Sustentação de Vida, da Unesco, o braço das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. Se, como disse o biólogo ucraniano Theodosius Dobzhansky (1900-1975), "nada na biologia faz sentido a não ser à luz da evolução", é nas ideias do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), pai da teoria evolucionária, que devemos buscar as razões da decadência do corpo depois de certa idade. Nós envelhecemos, em resumo, porque deixamos de interessar à natureza no que diz respeito à perpetuação da espécie, como se verá mais adiante.

Nos seres humanos, o envelhecimento das células (tecnicamente chamado de senescência) tem início por volta dos 30 anos de idade. A partir de então, essas unidades mínimas da vida deixam de responder adequadamente aos desafios que lhes são impostos pelo ambiente. Mais vulnerável, o corpo começa a apresentar os sinais do tempo: a pele perde o viço; a vista fica mais fraca; o fôlego, mais curto; os músculos, menos potentes; e o cérebro, menos afiado (veja quadro). As células chegam à senescência também por processos aleatórios, que se autoalimentam em cascata. Com o tempo, por exemplo, aumentam os ataques de agentes agressores, boa parte deles criada pelo próprio organismo. É o caso dos radicais livres, as moléculas tóxicas que aceleram o processo de envelhecimento dos órgãos. Em sua maioria, tais moléculas são resíduos de reações químicas que envolvem o oxigênio usado pelas células na obtenção de energia. Em condições normais, o corpo controla a quantidade de radicais livres por intermédio da liberação de enzimas antioxidantes. Ao longo da vida, porém, fatores externos, como a exposição à radiação, a agrotóxicos, ao fumo e à poluição, aumentam a quantidade de radicais livres no organismo a tal ponto que não há enzima antioxidante suficiente para os reparos. "Quando isso ocorre, o sistema se desequilibra e os tecidos acabam lesionados", diz o geriatra Renato Maia Guimarães, presidente da Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria. É o que os médicos chamam de stress oxidativo. Acredita-se que os radicais livres estejam relacionados ao desenvolvimento de algumas doenças crônico-degenerativas típicas da velhice, como Parkinson e Alzheimer.

Os radicais livres agridem, ainda, o material genético das células. O DNA é dotado de sistemas para se defender dos ataques de agentes sabotadores e para corrigir seus próprios erros de duplicação. Mas, alvo de investidas numerosas e constantes, algo sempre escapa ao controle – e o defeito reproduz-se nas novas células. Calcula-se que a cada dia o DNA de uma pessoa sofra cerca de 10 000 alterações. Ao longo do tempo, o acúmulo de erros resulta em células menos eficientes ou defeituosas. Para proteger o seu entorno das agressões, uma célula pode ser induzida ao suicídio – ou apoptose, no jargão científico. Estima-se que, num corpo adulto, a cada dia, entre 50 bilhões e 70 bilhões de células se matem deliberadamente. Tudo indica que a apoptose esteja mais associada à manutenção da saúde do que ao envelhecimento. Adoecem e envelhecem as células nas quais os danos genéticos impedem a autodestruição – ou as induzem a cometer suicídio na hora errada. Há também danos genéticos que causam uma imortalidade indesejada – é o caso das células cancerosas, que se multiplicam indefinidamente e num ritmo tão acelerado que se torna impossível, para as defesas do corpo, combatê-las a contento.

Mas por que precisamos envelhecer antes de morrer? Por que simplesmente não apagamos como uma lâmpada que se queima? A teoria mais aceita entre os pesquisadores do envelhecimento é a do "soma descartável", apresentada na década de 70 pelo biólogo Thomas Kirkwood, hoje diretor do Instituto de Envelhecimento e Saúde da Universidade de Newcastle, na Inglaterra. O envelhecimento seria também resultado do desequilíbrio entre a parcela de energia investida na reprodução e na sobrevivência da prole e aquela destinada à manutenção do soma – ou seja, o nosso corpo, com seus tecidos e órgãos. Como o estoque energético do organismo é limitado, quanto mais uma espécie investe na transmissão de seus genes, menos energia sobra para manter a integridade do corpo depois do período reprodutivo. Se o interesse maior dos genes é garantir sua imortalidade, nada mais natural que eles façam de tudo para dar ao organismo as condições ideais para sua reprodução. Nós, seres humanos, interessamos à espécie sobretudo a partir do fim da adolescência, quando os órgãos já estão formados e ainda não desgastados. Por volta dos 20 anos, uma enxurrada de hormônios prepara o corpo para o acasalamento. A partir dos 30, deixamos de ser interessantes do ponto de vista evolucionário. Isso porque o soma começa a perder a função de proteger e carregar os genes das células reprodutivas. Como um automóvel velho, ele passa a exigir uma manutenção cujo custo é muito maior do que o seu valor. "Envelhecemos porque a seleção natural se recusa a pagar um preço alto para manter um soma que não interessa mais", disse Kirkwood a VEJA. Chega uma hora em que os genes simplesmente abandonam o soma à sua própria sorte e escassez energética. É o início do fim.




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