O Estado de S.Paulo - 06/12
"O dinheiro do governo federal acabou." Essa frase, pronunciada em 1979 pelo então ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, visando a conter a avalanche de demandas para novos programas e projetos vindos dos ministérios setoriais, Estados e municípios, mostra três dimensões da responsabilidade profissional e ética de quem conduzia a política econômica do País. Não se pode iludir a população e seduzir a classe política quanto à capacidade do governo em financiar ilimitadamente grandes projetos de investimentos na infraestrutura econômica e social de regiões, Estados e municípios. Não se pode ir expandindo o endividamento público para defender os níveis de renda e de emprego sob o risco de comprometer a confiança que os agentes econômicos depositam na gestão macroeconômica do País. E não se pode vender ilusões à opinião pública sobre as perspectivas de crescimento de uma nação, quando os instrumentos de intervenção do governo se encontram sob fortes restrições operacionais internas e externas.
Na verdade, se o governo federal mantiver a atual estrutura da política econômica, a presidente da República colherá, como resultados do segundo biênio de seu mandato, uma economia com inflação sob controle, embora relativamente alta para quem aspira a um regime de estabilidade; uma taxa de crescimento inexpressiva quando comparada aos demais países emergentes, todos submetidos à mesma conjuntura internacional adversa; e uma população insatisfeita com a qualidade dos serviços públicos essenciais num contexto em que os indicadores de pobreza melhoram, ao mesmo tempo que os indicadores das desigualdades sociais se ampliam.
Dizer que se trabalha atualmente com um modelo de crescimento baseado na dinâmica do mercado interno é muito controverso. No curto prazo, o mercado interno pode se expandir pelo acesso dos mais pobres ao consumo de bens duráveis, favorecido pelas condições de financiamento e pelas políticas sociais compensatórias. Mas, no médio prazo, o dinamismo do mercado interno depende fundamentalmente do tamanho da população, da produtividade total dos fatores de produção e da distribuição da renda e da riqueza nacional. São fatores estruturais de transformação lenta (ganhos de produtividade) ou que se esgotam depois de eliminados obstáculos político-institucionais (exaustão do ciclo distributivo da implantação das políticas sociais compensatórias da Constituição de 1988).
É preciso, pois, construir um novo ciclo de expansão da economia brasileira a partir dos fundamentos conceituais e ideológicos de uma nova política econômica. Do ponto de vista conceitual, trata-se de encontrar o caminho de um novo paradigma para a dinâmica de desenvolvimento sustentável da economia brasileira, o qual, em princípio, deve estar associado à concepção e implementação de nova onda de inovações tecnológicas e institucionais. Nesse sentido, deve-se privilegiar o potencial de crescimento dos segmentos produtivos que utilizam direta e indiretamente a nossa base de recursos naturais (o complexo do agronegócio, o minero-metalúrgico-mecânico, etc.) e que se têm destacado no cenário global pela sua inequívoca capacidade de inovar para competir.
Do ponto de vista ideológico, a atual administração do governo federal precisa se conscientizar de que a economia de mercado tem seus imperativos e sua lógica interna de acumulação e que convive adequadamente com regulamentações localizadas setorialmente, desde que estas sejam consistentes tecnicamente, politicamente negociadas e institucionalmente legalizadas.
Não há como a intervenção governamental ampliar o grau de incertezas dos empreendedores para além daquelas que são típicas da dinâmica dos próprios mercados. O governo não pode se transformar num multiplicador de incertezas pelo fato de não dispor de determinação política para induzir que os interesses do velho paradigma se desestruturem a fim de que o novo paradigma possa nascer.