Política
Quando os instrumentos não funcionam - PAULO R. HADDAD
O ESTADÃO - 13/09
PROFESSOR DO IBMEC/MG, FOI MINISTRO DO PLANEJAMENTO, DA FAZENDA NO GOVERNO ITAMAR FRANCO
Nossas autoridades econômicas ainda depositam muita esperança na eficácia de alguns instrumentos de política econômica. Desde quando Keynes mostrou ceticismo em relação à eficácia dos instrumentos da política monetária num contexto de depressão econômica, ficou evidente, contudo, que a eficiência de um instrumento depende do contexto histórico em que ele opera.
No caso específico de Keynes, escrevendo no cenário da crise de 1929, a questão básica era a armadilha da liquidez. Se há uma recessão econômica, a sabedoria convencional recomenda tornar as instituições e os agentes econômicos mais líquidos financeiramente, aumentando sua capacidade para gastar e reduzindo o seu custo financeiro para consumir ou investir - ou seja, reduzindo as taxas de juros, que são o preço da liquidez.
Na crise de 1929 esse instrumento não foi eficaz, como não tem sido eficaz na atual crise norte-americana. Por volta de 2008, as taxas de juros nos EUA tornaram-se praticamente nulas e continuam muito baixas. Famílias muito endividadas ao longo do ciclo da bolha imobiliária foram forçadas a gastar menos; os credores e financiadores não estavam dispostos a gastar mais. Caracteriza-se, assim, uma insuficiência de demanda agregada, um passo a caminho de uma recessão econômica.
Mas há muitas outras situações em que os instrumentos tradicionais de política econômica podem perder sua eficácia em gerar os resultados esperados. Os motivos são vários e, no caso brasileiro, se destacam: a sua baixa intensidade de propulsão, as expectativas adversas dos agentes econômicos e a incompatibilidade dos efeitos cruzados no uso dos instrumentos.
Em primeiro lugar, num contexto em que a desaceleração econômica caminha no sentido de uma recessão, não basta acionar um instrumento. Ele precisa de intensidade e de cadência para gerar resultados significativos. O recente programa de investimentos em energia e transporte do PAC lançado pelo governo federal poderá não ser eficaz na sua dimensão anticíclica, uma vez que as restrições fiscais supervenientes (excesso de despesas correntes, de vinculações de receitas, de pressões para novas despesas de pessoal, de encargos financeiros das dívidas públicas acumuladas) limitam o grau de liberdade dos investimentos públicos.
Em segundo lugar, há a questão da tempística nas soluções da crise, ou seja, a definição de critérios que possibilitem executá-las no tempo ideal, com os melhores resultados possíveis.
Intuitivamente, pode-se afirmar sobre os três parâmetros básicos de uma abordagem tempística presentes na nossa economia: uma sequência longa e dolorosa, típica de reformas institucionais de instrumentos globalizados; uma cadência imprevisível, típica dos ambientes de quebra de confiabilidade; e uma intensidade duvidosa, pela dificuldade de mobilização de atores e instituições com diferentes estágios de evolução.
Especificamente, poderá ocorrer uma lentidão crucial no tempo em que o setor privado irá se envolver efetivamente nos investimentos previstos no PAC por causa dos riscos jurídico-regulatórios e das incertezas sobre o intervencionismo governamental na definição da rentabilidade dos investimentos. Keynes apontava, ainda, as dificuldades para obter projetos de engenharia devidamente elaborados, analisados e avaliados a pronto e à hora.
Finalmente, os mercados dos macropreços são interdependentes: o que ocorre e se decide num deles (a redução da taxa de juros, por exemplo) pode afetar outro mercado numa direção (elevação da taxa de câmbio, por exemplo) ou noutra (elevação da taxa esperada de inflação, por exemplo).
Os mercados dos macropreços apresentam um grau de sensibilidade ao contexto histórico muito diferente do que os tradicionais mercados de bens e serviços, que, quando desestabilizados, admitem um equacionamento relativamente rápido e de menor efeito de espraiamento tóxico.
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