Rebelião dos valores Carlos Alberto Di Franco
Política

Rebelião dos valores Carlos Alberto Di Franco


Dizem as más línguas de más testemunhas que Liam Gallagher, cantor do Oasis, já foi visto às 6h30 da manhã caminhando por Hampstead Heath com os filhos, vestidos com uniformes escolares, a caminho da escola. A ovelha negra do rock inglês? Levando os filhos à escola? Soa inverossímil, não?

"Mas é verdade. Antigamente, essa era a hora em que eu chegava em casa, saindo de um pub. Gastava mais tempo bebendo do que com qualquer outra coisa. Agora, eu gasto meu tempo com meus filhos. E eles estão ótimos, obrigado por perguntar", confessou o próprio Liam, falando por telefone ao repórter.

O texto, do jornalista Jotabê Medeiros, foi publicado no caderno Variedades do Jornal da Tarde. É revelador. O comportamento de Liam, na contramão da contracultura, mostra que o pêndulo comportamental começa a mudar de direção. Hoje, o subversivo no modo de ser da juventude é o resgate dos valores. Após décadas de liberação dos costumes, toda uma geração de cinqüentões e sessentões assiste, perplexa, a uma contra-revolução moral protagonizada por seus filhos e netos.

A religiosidade dos jovens, por exemplo, é um fato sociológico. Impressionou-me, em Roma, a massa multicolorida de jovens que, nas audiências das quartas-feiras, ocupa a Praça de São Pedro para ver o papa. O túmulo de João Paulo II, atapetado de fotografias e bilhetes deixados por milhares de peregrinos, é um grito espantoso de religiosidade. Bento XVI, sem o carisma de seu antecessor, mas com uma comunicação simples e direta, arrebata a moçada. Tímido, mas cativante na sua humildade que desarma, o brilhante intelectual que ocupa a cátedra de São Pedro é um sucesso no meio juvenil.

Reunidos na celebração da Jornada Mundial da Juventude em Sydney, um mar de jovens recebeu o pontífice com um entusiasmo impressionante. Usando tênis e mochilas, os "papaboys", como são apelidados os jovens que participam das jornadas católicas, dançaram, cantaram e rezaram.

O desempenho de Bento XVI no meio juvenil é uma charada que desafia o pretenso feeling de certos estudiosos do comportamento. Afinal, o estereótipo do papa conservador, obstinadamente apegado aos valores que estariam na contramão da modernidade, vai sendo contestado pela força dos fatos e pela eloqüência dos números. Os megaeventos papais contrastam fortemente com as previsões dos profetas da morte de Deus.

O papa é exigente. Sem dúvida. E os jovens vão atrás do seu discurso comprometedor. Não gostam de um cristianismo aguado. Alguns (e não são os jovens), equivocadamente, vislumbram fervores conservadores no pensamento e na ação do papa. Desejariam, como já escrevi neste espaço opinativo, um papa que deixasse de ser cristão para ser mais bem aceito? Pretenderiam que, perante o deslizamento do mundo para baixo, com a glorificação de aberrações ideológicas e morais, o papa exercesse a sua missão acompanhando a descida, cedendo a tudo, limitando-se a belos discursos de paz e amor e a um falso ecumenismo em que todos os equívocos se pudessem congraçar, porque ninguém acreditaria em coisa alguma, a não ser em "viver bem"? Bento XVI aposta suas fichas não na quantidade, mas na qualidade. Sabe, como ninguém, que as grandes viradas se apóiam em quadros qualificados.

Mas não é só a religião que reencontra a juventude. A família é outra forte demanda da adolescência. Em casa deixou de rotular os pais de caretas para buscar neles a figura do amigo. A juventude real, perfilada em algumas pesquisas, está identificando valores como respeito, amizade, fidelidade. Há uma busca de âncoras morais e de normalidade.

Recente pesquisa sobre juventude e comportamento realizada em El Salvador confirma essa percepção. O estudo, elaborado a partir de uma amostra de mais de 3 mil jovens salvadorenhos entre 13 e 19 anos, reafirma a importância dos pais na orientação das políticas de saúde e na formação dos adolescentes. Oito de cada dez adolescentes afirmam que seus pais são essenciais para seu desenvolvimento integral, para a transmissão de cultura e de valores. Os jovens manifestam desejo de que seus pais sejam sua primeira fonte de informação sobre estilos de vida, amor e sexualidade.

Os filhos e netos da revolução sexual sentem uma aguda nostalgia de valores. Não é novidade para quem mantém contato com o universo estudantil. Os anos da permissividade produziram muito sexo e pouco amor. O relacionamento descartável deixou o travo do vazio. Agora, o auê vai sendo substituído pelo sentido do compromisso. A juventude real manifesta crescente procura de firmeza moral. Aspira, ao contrário do que se pensa, ao conselho seguro. Não respeita a velhice assanhada e concessiva. Espera, sim, a palavra que orienta, o amor que sabe exigir e limitar. Nós, jornalistas, quem sabe, não somos capazes de depor nossos preconceitos e continuamos falando e escrevendo sobre uma juventude que se amolda ao tamanho dos nossos clichês, mas que está muito longe da realidade. Talvez aí resida uma das causas, entre outras, da nossa incapacidade de renovar consistentemente nossa carteira de leitores.

A família, "um produto anacrônico da sociedade burguesa", segundo alguns, assume a liderança da credibilidade entre os jovens; a religião, paradigma da "alienação" na geração liberada, está fortemente em alta.

A juventude, ademais, abraça grandes bandeiras: a luta contra as discriminações, o combate à corrupção, a defesa do meio ambiente e o apoio às minorias. O futuro não será conservador na acepção pejorativa que as patrulhas ideológicas impuseram ao termo. Será, estou certo, um período de recuperação do verdadeiro humanismo.



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