Roberto DaMatta Mudar o penteado
Política

Roberto DaMatta Mudar o penteado


O GLOBO

O cabelo solto ou liberto do coque tem um sentido oculto. Ele fala de um engajamento expressivo de Marina ao desejo de emancipar o Brasil do lulopetismo

Talvez como prova de que nem tudo está perdido neste nosso Brasil obcecado pela disputa eleitoral, Marina Silva mudou o penteado: tirou o coque e soltou o cabelo.

No meio de um tiroteio que o nosso viés aristocrático rejeita como de mau gosto, esse é o fato alvissareiro desta etapa derradeira que vai confirmar ou não o governo lulopetista e mendaz de Dilma Rousseff.

Antigamente, quando os bichos falavam e os animais (sobretudo os burros e os gorilas) não faziam parte do governo, mulheres e homens iam sistematicamente a barbeiros e cabeleireiros e, de vez em quando e para a surpresa dos amigos, colegas e maridos, mudavam de penteado.

A expressão falava de algo além do cuidado regular com o cabelo, porque mudar parte do rosto chamava atenção imediata. Mudar o cabelo ou a cabeleira (ampliando-a, mudando sua forma ou cortando-a) ressaltava uma transformação radical da aparência e da "figura", sugerindo novos projetos de vida e mudanças de posicionamento social.

Sir Edmund Leach, um colega inglês dotado de excepcional talento e extrema generosidade, escreveu, em 1958, um ensaio denominado "cabelo mágico" , no qual ele observa como o estilo do penteado exprimia estados emocionais e sociais profundos. O cabelo, diz este ensaio — editado num volume que publiquei pela Editora Ática na coleção Grandes Cientistas Sociais, dirigida por Florestan Fernandes em 1983, sob o título "Edmund Leach" —, vai muito além do penteado. Discordando do axioma freudiano segundo o qual o cabelo se associa a manifestações do desejo libidinal, Leach revela que o seu sentido ou significado varia de cultura para cultura.

Muitos cabelos fogem do cânone freudiano como um símbolo fálico e crescer e ser cortado nos homens como um sinal de castração ou controle sexual. Elas mostram também que, em muitas sociedades, o seu estilo está ligado ao luto, à homossexualidade, à fertilidade, à gravidez e a outros estados sociais, os quais não têm um elo direto com a sexualidade.

No mundo ocidental, por exemplo, o cabelo longo se associa à mulher dona de sua vida sexual, embora, como se sabe, o corte do cabelo de Sansão por Dalila foi decisivo como um golpe que fez com que o superjudeu (que prefigura o Super-Homem americano moderno) perdesse temporariamente suas forças.

A essas alturas, o leitor pode estar espantado pelos caminhos que o desmanche do coque da Marina Silva está me conduzindo. Mas vale enfatizar que a ideia de controle, disciplina, agressão e repressão está muito mais próxima de cabelos raspados, presos ou curtos (como em algumas ordens religiosas e profissões — os militares e professoras — por exemplo); enquanto o cabelo longo, desgrenhado, acompanhado de uma barba igualmente ouriçada, denota um desdém e um engajamento crítico com a ordem vigente. O melhor exemplo gráfico disto é o famoso retrato do jovem Karl Marx, por oposição a uma estátua de Júlio César ou a foto de um membro das SS. Todos os românticos, bem como os hippies e os renunciantes deste mundo que vai se acabando, desdenhavam o cabelo brilhantinado e cuidadosamente penteado. Aliás, neste Brasil onde abundam meninos-prodígios de todo tipo, todos penteiam despenteando seus cabelos dentro do modelito Beethoven ou Einstein — os prodígios dos prodígios.

O cabelo solto ou liberto do coque tem um sentido oculto. Ele fala de um engajamento expressivo de Marina ao desejo de emancipar o Brasil do lulopetismo. Curioso, mas psicanaliticamente fascinante, esse despentear de Marina num momento em que o processo eleitoral atinge um estágio crítico e também começa a modernizar os seus debates que muitos gostariam que continuassem como aqueles jantares regados a valsa do Itamaraty.

Um aluno comentou que o vale-tudo petista é legítimo. Afinal, dizia, como num jogo de futebol, todos querem ganhar. Ele tem razão, mas com sérias reservas. O jogo tem como base a igualdade dos times porque todos obedecem às mesmas regras. Ademais, os times têm como referência o juiz, a torcida e os manuais que não mudam durante o seu desenrolar.

Já numa eleição como esta, há um candidato que é um óbvio controlador das regras porque ele é o governo com um viés antiliberal. Neste contexto, ser obrigado a vencer pelo bem do time transforma a disputa numa batalha de aleivosias. Se a paixão pelo poder for maior do que o respeito institucional, não pode haver jogo limpo. Um dos times — o que controla as regras ao mesmo tempo em que joga — abre mão de realizar o mandamento crítico de qualquer democracia: o dizer não a si mesmo.

Mas contra isso, eis como um presságio, o cabelo solto de Marina.

Roberto DaMatta é antropólogo

Leia todas as colunas...




loading...

- Ah!,,,nós,mulheres!
Mulheres mudam o cabelo 36 vezes durante a vida, diz pesquisa Do:Uol fonte: Getty ImagesQuando se trata de mudança no visual, a maior parte das mulheres investe no cabeloCuidados estéticos são aliados das mulheres desde o início do mundo. Isso...

- Coisas Desse Mundão De Deus!...
Suecas dormem loiras e, misteriosamente, acordam com cabelo verde Do UOL Tabloide Em São Paulo Um mistério atormentou as loiras da cidade de Anderslöv, no sul da Suécia. Do nada, o cabelo da mulherada estava ficando verde. Por causa do aumento do...

- O Novo Visual De Lula
Antecipando-se à queda de pêlos, normal quando se faz o tratamento com quimioterapia, o ex-presidente Lula raspou a barba e o cabelo. Tudo com a ajuda de sua esposa,Dona Marisa Letícia, que cortou o cabelo e fez a barba do ex-presidente. Mais uma...

- Requentada...mas Divertida!
Li há dias atrás e resolvi postar. Lembrei-me do trauma de cabelos oleosos na época da Juventude.Dias frios e "naqueles dias"...as meninas(como eu) não lavavam os cabelos.Para estar bela perante os namorados, colocávamos talco perfumado nos cabelos,sacudíamos...

- A Volta Do Coque
Para o alto e avanteO coque volta a fazer cabeças femininas, em versão  volumosa e meio desarrumada. O de Sarah Palin subiu, como as pesquisas, mas pode desabar Bel MoherdauiHenny Ray/AP À MODA DO ALASCA Sarah Palin: cabelo preso e controlado para...



Política








.