Sodoma e Gomorra Luiz Carlos Mendonça de Barros
Política

Sodoma e Gomorra Luiz Carlos Mendonça de Barros


FOLHA DE S. PAULO

A economia que sairá desta crise será diferente da de hoje, mas como e quando isso acontecerá é impossível prever

PASSEI A semana do Carnaval nos Estados Unidos com meu filho Rick. Esse período de descanso permitiu-me assumir o papel de observador da crise financeira que ocorre na maior economia do mundo. Minhas leituras deixaram de estar focadas em relatórios técnicos ou veículos especializados em economia, abrindo espaço para os jornais e as revistas semanais. Esse novo posto de observação me fez conhecer as reações dos não-especialistas na descrição e nas análises dos fatos ligados à marcha da insensatez que ocorreu na chamada Wall Street.

Em uma sociedade em que a grande maioria acredita na supremacia dos agentes econômicos privados sobre o governo, os fatos que estão sendo agora fartamente descritos causam um impacto terrível. O americano comum aceitava que uma pequena minoria -para ele uma elite- auferisse ganhos extraordinários como uma prova da eficiência do sistema capitalista. Mesmo a falta de caráter de algumas estrelas famosas do mercado financeiro era aceita como parte do jogo. Basta recordar o personagem principal do filme "Wall Street - Poder e Cobiça", que tanto sucesso fez há alguns anos.

Mas os fatos revelados pelos jornais e pelos canais de televisão nos Estados Unidos chocam e revoltam. E a razão principal da revolta do americano médio é a de ter o governo que resgatar, com trilhões de dólares do Tesouro, empresas privadas. Mais ainda, em uma sociedade em que qualquer tentativa do governo em interferir na vida dos cidadãos é considerada socialismo, o que se vê hoje é absolutamente inaceitável. Para um observador atento, esse clima de decepção e revolta está presente no dia-a-dia da imprensa americana. Os detalhes escabrosos dos ganhos com bônus e outros instrumentos de participação nos lucros dos bancos americanos são inaceitáveis. De forma ainda discreta, os americanos começam a entender que a origem dessa farra do boi está no centro de sua ideologia. O desmonte do aparato regulatório e fiscalizador do sistema financeiro foi feito no pressuposto dessa luta entre o lado bom -o setor privado- contra o mau, representado pelo Estado.

Mas a decepção americana vai mais longe. Grandes estrelas do sistema produtivo como a General Motors, a Ford e a GE também estão mostrando uma fragilidade não conhecida. Ainda agora, a empresa que audita e fiscaliza os números da GM vem a público dizer que esse gigante não tem condições de sobreviver. Mesmo a empresa de seguros do ícone do capitalismo americano Warren Buffett -a Berkshire Hathaway- tem hoje um risco de crédito superior ao do Vietnã.

Mas o ídolo caído pela irresponsabilidade de seus dirigentes que mais me impressiona é a AIG, gigante do setor de seguros. Companhia de mais de cem anos de existência, líder mundial inconteste no grupo das chamadas empresas seguradoras, a AIG é hoje um zumbi que não pode quebrar. Várias instituições financeiras dependem de sua existência para não falirem de vez. O setor de seguros sempre foi considerado o mais conservador e mais regulado do mercado financeiro. Pois essa empresa representa hoje o caso mais típico do que aconteceu nos Estados Unidos nestes últimos tempos.

A economia que sairá desta crise -e isso vai ocorrer com certeza, dada a índole do povo americano- será completamente diferente da que conhecemos hoje. Mas como e quando isso acontecerá ainda é impossível prever.



loading...

- Celsom Ming Ataque Aos Gatos Gordos
A decisão do presidente Barack Obama de enviar ao Congresso americano projeto de lei que cobra dos grandes bancos comerciais, bancos de investimento e seguradoras um novo imposto, a Taxa de Responsabilidade na Crise, é um precedente que poderá ser...

- Novo Pacote Bilionário Celso Ming
O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) anunciou ontem por meio do secretário do Tesouro, Henry Paulson, o despejo de mais US$ 800 bilhões para tentar resgatar a economia americana da crise. Desse pacote, US$ 600 bilhões têm por...

- Heróis E Vilões O Globo Editorial,
NOSSA OPINIÃO Alvo tradicional dos movimentos políticos extremistas, o sistema financeiro subiu no cadafalso nos debates político-ideológicos deflagrados pelo estouro da bolha imobiliária americana. Não havia por que ser diferente, pois, ao lado...

- Luiz Carlos MendonÇa De Barros A Solução Da Crise Está Longe
Somente com o tempo as intervenções do setor público levarão a uma situação de maior tranqüilidade A CRISE financeira continua a piorar. Em junho do ano passado -início cronológico dos distúrbios que vivemos hoje- a crise parecia localizada...

- Cadê A Confiança Que Estava Aqui?
Especial O abalo de Wall Street A intervenção sem precedentes do governo americano no mercado foi crucial e necessária para sanear o capitalismo  financeiro. Ele renascerá em bases novas Marcio AithJoshua Lott/Reuters A CARA DA CRISE Empregados...



Política








.