Finalmente, a ficha caiu. A presidente Dilma reconheceu que a parafernália de tributos que incidem na tarifa de energia elétrica é um entrave ao investimento e um freio ao crescimento econômico. O consumidor ignora (nada é transparente no setor elétrico), mas 50,5% de sua conta de luz são impostos: nove taxas setoriais, o PIS-Cofins federal e o ICMS estadual. Enquanto no mundo inteiro a eletricidade é o insumo da prosperidade, por aqui é um estorvo. A multinacional de alumínio Alcoa, por exemplo, avalia fechar duas fábricas no Brasil por causa do custo da eletricidade.
Mas agora Dilma está disposta a baixar a tarifa e determinou ao Ministério da Fazenda que encontre uma solução. Da parafernália tributária ninguém quer perder nada. O Ministério de Minas e Energia já disse que não abre mão de suas nove taxas; os governadores recusam encolher a galinha dos ovos de ouro (o ICMS) de seu caixa tributário; e a Receita Federal calou sobre o PIS-Cofins. Será uma dura batalha para Dilma.
E se, por um milagre, todos cedessem um pouco, estaria resolvido o problema? É claro que não. Eliminar ou reduzir impostos é um bom começo, mas não cura o mal estrutural do setor elétrico: a ineficiência gestada em muitos anos de amadorismo, improvisação e aparelhamento político. As nove taxas recolhidas pelo Ministério de Minas e Energia são prova disso. Ao longo dos anos elas foram criadas para tapar buracos de programas do governo. Cria-se o Luz para Todos e uma taxa para supri-lo; outra taxa sustenta o subsídio da energia na Região Norte; mais uma para o consumo da população de baixa renda; outra paga o uso da água; outra subsidia fontes alternativas de energia; e vai por aí. Ao longo do tempo, elas foram engordando e multiplicando, sem planejamento, sem avaliar consequências. Hoje viraram um enorme polvo que custa aos brasileiros 18,5% da conta de luz. "O problema não está só em encargos e tributos. Há muito a ganhar em eficiência", diz a economista Elena Landau, especialista em energia. Além da profusão de taxas, ela identifica nas seis distribuidoras federalizadas (no Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia e Roraima) e integradas à Eletrobrás outra fonte a espalhar ineficiência no sistema elétrico. Usadas rotineiramente por governadores e políticos locais, essas empresas acumulam dívidas gigantescas e crônicos prejuízos. Por ser obrigada a carregá-las, a Eletrobrás é injustamente prejudicada. Seu valor patrimonial hoje não representa 1/5 do que seria sem elas. O governo estuda uma saída e Elena Landau está convencida de que a solução é separá-las da Eletrobrás e transferi-las ao capital privado, privatizando, ou por meio de contratos de gestão, ou em parcerias público-privadas.
Nos três casos o governo terá de injetar dinheiro público para pagar suas dívidas e seguir subsidiando seus crônicos prejuízos operacionais. Seria um caso de privatização pela imperiosa necessidade de afastar a ingerência dos políticos nessas empresas. E ainda há quem defenda empurrar para a Eletrobrás também a distribuidora do Amapá, que, de tão mal gerida (há anos não paga a energia que recebe da Eletronorte), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) chegou a pedir a cassação da concessão. Mas Lula segurou, atendendo ao amigo José Sarney.
Se as taxas setoriais representam 18,5% da tarifa, muito pior é o ICMS. Depois da privatização das elétricas e telefônicas estaduais, os governadores abusaram do aumento do ICMS para engordar a arrecadação e criaram enorme dependência financeira dessas duas fontes. Como nesses casos é fácil cobrar e difícil sonegar, eles passaram dos limites elevando continuamente a alíquota do imposto. No Rio de Janeiro, por exemplo, o que menos pesa na conta de luz é o fornecimento de energia e o ICMS a encarece em 47%.
Se a presidente Dilma quer mesmo energia barata, poderia dar o exemplo, eliminando o PIS-Cofins e enxugando as taxas setoriais. E convencer governadores a reduzirem as alíquotas do ICMS. Mas que não fique só nisso, é fundamental eliminar também os focos de ineficiência no setor elétrico.