Suely Caldas Confiar desconfiando
Política

Suely Caldas Confiar desconfiando



Há algumas fragilidades embutidas na nova meta fiscal do governo que levaram analistas e agentes econômicos a confiarem desconfiando. A meta em si (um superávit de R$ 99 bilhões, equivalente a 1,9% do PIB) é realista e factível. O corte de R$ 44 bilhões nos gastos também. São números que merecem ser festejados - deixaram para trás os devaneios dos últimos três anos. Por que, então, a desconfiança?

A eleição é o fator mais imponderável: a candidata-presidente vai negar dinheiro para atender a demandas de aliados políticos vindas do País inteiro? Vai recusar gastar o que for preciso para atender à voz das ruas e investir em transportes ou apressar obras para inaugurá-las e ganhar votos? A incerteza em relação ao comportamento de governantes/candidatos em períodos eleitorais é sustentada no vasto histórico dos políticos brasileiros em geral e, em particular, no inesgotável e ardente desejo do PT de ganhar eleição a qualquer custo.

Outro fator imponderável é o que fará Dilma se, ao longo do ano, as despesas crescerem mais do que o previsto, a receita tributária for insuficiente para cobri-las e ameaçar o cumprimento da meta. Ela vai recorrer a truques e malabarismos da tal contabilidade criativa dos três anos anteriores? Isso ela parece ter aprendido, sabe que triangulações financeiras forçadas, receitas falaciosas e outras pajelanças arquitetadas por assessores minaram a confiança dos empresários e subtraíram investimentos em seu governo. Pedir a Mantega uma meta fiscal realista é sinal de que não pretende recorrer a artifícios.

Só que Mantega calculou a receita tributária - essencial para o superávit primário de 1,9% do PIB - com base em estimativa otimista de uma taxa de crescimento econômico de 2,5%, enquanto os analistas (inclusive ligados ao governo, como o ex-secretário executivo da Fazenda Nelson Barbosa) não acreditam em mais de 1,5%. E 1% a menos na já minúscula previsão do PIB faz enorme diferença para o resultado final da receita tributária. Resta o recurso de remanejar verbas de uma para outra área. Mas será possível fazê-lo sem prejudicar investimentos e a área social, que Dilma quer preservar neste ano eleitoral? Difícil.

Até porque há no Orçamento outras fragilidades técnicas não equacionadas, que pressionarão o resultado fiscal ao longo do ano. Uma delas é tão clara que salta aos olhos: a previsão de déficit para a Previdência foi calculada em R$ 40 bilhões, 25% menor que os R$ 49,85 bilhões de 2013, mesmo com o reajuste de 6,78% do salário mínimo e nenhuma mudança no cenário que fundamente tal otimismo futurológico.

A segunda fragilidade é mais complexa, pois arrisca debilitar ainda mais a situação financeira das empresas do setor elétrico e comprometer a qualidade de serviços de manutenção da rede, potencializando a ocorrência de apagões País afora. É que o governo decidiu reservar no Orçamento só R$ 9 bilhões para subsidiar o consumo de energia em 2014 (em 2013 foram R$ 9,8 bilhões), mas nada destinou para cobrir os crescentes prejuízos causados pela longa estiagem do verão, que levou as empresas a comprarem energia das termoelétricas a preços mais caros do que vendem aos consumidores.

Há duas alternativas de solução para o problema: ou a candidata/presidente subtrai do Orçamento de 2014 mais R$ 9 bilhões (estimativa de técnicos do governo) para cobrir os prejuízos das empresas ou os repassa para o consumidor via aumento da tarifa. O assunto foi recorrente no encontro de Mantega com analistas internacionais na sexta-feira. O ministro não esclareceu por qual solução o governo vai optar, mas definiu o mês de abril como último prazo para decidir, depois de avaliar os estragos da seca nos reservatórios de hidrelétricas e quantificar prejuízos. A decisão mais simples seria reajustar a tarifa. Mas aí entra o dilema eleitoral: qual interesse vai prevalecer, o da presidente ou o da candidata?

Infelizmente, os fatos têm mostrado que a redução da tarifa de energia está mais para um monstrengo do que para um carro-chefe de campanha - para a presidente e para a candidata.

*Suely Caldas é jornalista e professora da PUC-RIO. E-mail: [email protected].  


Notícias relacionadas:


Videoaulas das melhores universidades do Mundo


    Enviado via iPad



    loading...

    - Suely Caldas Populismo Tarifário
    ESTADÃOHá semelhanças, diferenças e um ponto em comum entre o populismo cambial de FHC e o populismo tarifário de Dilma Rousseff. Ambos miraram um ponto certeiro: a ambição de serem reeleitos. Esse é o ponto em comum. Em 1998, FHC empurrou para...

    - Suely Caldas -voluntarismo E Improvisação
    O ESTADO DE S PAULO Quando se tornou ministra de Minas e Energia, em 2003, Dilma Rousseff trazia a experiência de secretária de Energia de um Estado, o Rio Grande do Sul, e zero de vivência na gestão de um país cheio de complexidades e diferenças...

    - Superavit E Espertezas - Editorial Correio Braziliense
    CORREIO BRAZILIENSE - O4/01O temor do governo de que as agências internacionais de risco de crédito e investimentos (rating) cumpram as ameaças de retirar as boas notas que vêm sendo atribuídas ao Brasil nos últimos cinco anos é maior do que...

    - A Conta Que Sobrou Para Dilma( Mas Que Foi Feita Com Anuência Dela...)
    REGINA ALVAREZ E PATRÍCIA DUARTE O GLOBO - 13/02/11 Estudo mostra que gastos aumentaram R$282 bi no governo Lula; 78,4% no segundo mandato O quadro fiscal preocupante, que exigirá um aperto inédito de R$50 bilhões nos gastos públicos este ano,...

    - Vinicius Torres Freire Pacote Sonrisal
    FOLHA DE SE SÃO PAULO - 10/02/11 Apesar de parecer maciça, contenção do gasto federal apenas reduz mal-estar do excesso de despesa de 2010 Quanto valem R$ 50 bilhões? Na sua primeira decisão econômica relevante, porém ainda mal explicada,...



    Política




    



    .