Foi uma semana confusa, agitada por invasões dos sem-teto, manifestações contra a Copa, greves de ônibus, a população paralisada nas ruas, indignada, desprotegida e perdida, com medo de perder emprego, a tragédia de uma mãe e dona de casa inocente linchada até a morte por "justiceiros" no Guarujá. O crescimento da sensação de descontrole social é inversamente proporcional à calmaria dos governantes - nos estados e em Brasília. Em resposta a outro descontrole mais antigo - o econômico -, todos os dias o ministro da Fazenda, Guido Mantega, repete seu desacreditado monocórdio: nos próximos meses tudo vai melhorar - inflação, investimento, crescimento econômico, etc. Bate na tecla há mais de dois anos e os próximos meses teimam em não chegar.
Na linha da esperança em um futuro inalcançável, o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges, acaba de erguer a taça de campeão. Em depoimento no Congresso, na quinta-feira, disse ser propósito do governo Dilma Rousseff antecipar desonerações aduaneiras para criar a área de livre-comércio na América do Sul. Se desde a criação do Mercosul, há 22 anos, os cinco países do bloco não se entendem, acumulam pendências, dívidas, impõem barreiras comerciais e estão cada vez mais distantes de um bloco homogêneo, o que esperar de conversas entre 14 países da América do Sul? Como acreditar que Chile, Peru e Colômbia, que optaram por bem-sucedidos acordos bilaterais de comércio mundo afora, abdicariam desse modelo para embarcar em um ringue de desentendimentos em que se transformou o Mercosul?
Mauro Borges tem fé. "Temos uma política comercial bem-sucedida no Brasil", afirmou a senadores que criticavam a negociação sem fim para um acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Se o Brasil negociasse sozinho, há muito teria fechado seu acordo e hoje estaria exportando bem mais para países europeus. Já os cinco do Mercosul não conseguem sequer resolver pendências regionais.
Deles, o Brasil mantém comércio mais ativo (e mais conflituoso) com Argentina e Venezuela, justamente os de pior desempenho econômico do continente. Às voltas com escassez de divisas, os dois liberam dólares para o exterior a conta-gotas. Com isso só têm crescido suas dívidas com empresas brasileiras que para lá exportam; as vendas de automóveis para a Argentina pararam à espera de um acordo de trocas; recentemente nossa indústria de calçados perdeu US$ 6,2 milhões com o cancelamento de um pedido de 410 mil pares pela Argentina. Em grave crise de desabastecimento, a Venezuela tem se suprido de alimentos no Brasil, mas não paga os fornecedores.
A queda nos preços das commodities no mundo e a mudança na política monetária nos EUA vão piorar o cenário econômico na América Latina. Projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2014 e 2015 indicam para o Brasil inflação em alta, dívida pública em 66% do PIB e crescimento limitado em 1,8% e 2,7% nos dois anos. Por aqui, economistas fazem apostas piores: o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda do governo Dilma Nelson Barbosa projeta inflação de 7,5% e crescimento de 1% em 2015. Situação mais grave vivem os dois parceiros preferenciais do Brasil: a Argentina cresce 0,5% este ano e 1% no próximo e o PIB da Venezuela cai 0,5% e 1% com inflação de 75% nos dois anos. Inflação descontrolada (na Argentina está em 30%) é o meio mais rápido de agravar a pobreza de um país.
Maluf. Não dá para entender a permissividade e a tolerância das leis brasileiras com a corrupção. O deputado Paulo Maluf quer pagar US$ 1 milhão à Promotoria de Nova York para livrar-se de uma ordem de prisão e ter seu nome retirado da lista de procurados da Interpol. Ele e o filho são processados nos EUA por crimes de desvio de dinheiro público de obras em São Paulo quando era prefeito. Enquanto lá está ameaçado de prisão, aqui no Brasil exerce mandato de deputado federal e sai na foto com o ex-presidente Lula e o atual prefeito Fernando Haddad.
*Jornalista e professora de comunicação da PUC-RIO