Enganaram-se aqueles que acreditaram que Barack Obama representaria uma mudança na política interna e externa da principal economia do mundo. É o que afirma Tariq Ali, escritor e historiador de origem paquistanesa e radicado na Inglaterra.
“Muitas pessoas acreditaram em Obama e se esqueceram que ele levantou mais dinheiro de Wall Street do que Hillary Clinton e John McCain juntos. O banco Goldman Sachs e muitos outros deram-lhe milhões”, afirma Tariq, em entrevista a Tatiana Merlino, da Caros Amigos.
O escritor acaba de lançar The Obama Syndrome: Surrender at Home, War Abroad (A síndrome de Obama: capitulação em casa, guerra fora), ainda sem previsão para publicação em português. No livro, ele analisa os primeiros 18 meses do presidente, que define como um “político-máquina do Partido Democrata em Chicago”.
Já na entrevista, o historiador também discute a relação dos Estados Unidos com o Paquistão, a crise mundial de 2008 e o processo eleitoral brasileiro. Tariq Ali disse que ficou feliz por José Serra ter sido derrotado nas urnas, mas se assustou quando viu a presidente eleita, Dilma Rousseff, numa foto com Antonio Palocci. “Esse cara é o mais articulado defensor de políticas econômicas neoliberais e o país não precisa de pessoas como ele, mas, sim, de pessoas que pensem diferente”.
Confira abaixo trechos da entrevista disponibilizado pela Caros Amigos
Caros Amigos: Queria começar por seu último livro: “A Síndrome de Obama: Capitulação em casa, Guerra fora”. O que aconteceu, por que Obama está rendido em casa, foi uma cilada?
Tariq Ali: Não, não é uma cilada. Basicamente é importante entender que Obama é, essencialmente, um político-máquina, da máquina do Partido Democrata em Chicago. Um dos piores do país. No meu livro sobre Obama, eu o descrevo como a aparição mais inventiva que o império criou de si mesmo. O império americano precisava de Obama, desesperadamente.
Muitas pessoas assumiram, automaticamente, que Obama seria melhor do que Bush. Não apenas nos Estados Unidos. No mundo inteiro. Eles tinham ilusões reais. Até pessoas de esquerda, até o lideres bolivarianos, como Hugo Chávez. Eles tinham verdadeira esperança, não ilusões.
Lula realmente acreditou quando Obama disse “sim, intervenha em nosso nome com o Irã”. Não é que Lula foi como a imprensa disse: “Ele foi ingênuo”. Não é uma questão de ingenuidade. Obama disse ao Lula e para o líder turco, “Por favor, nos ajude com o Irã”, e eles o fizeram. Eles conseguiram que os iranianos concordassem com o plano, e então os americanos recuaram.
Muitas pessoas acreditaram em Obama e se esqueceram que ele levantou mais dinheiro de Wall Street do que Hillary Clinton e John McCain juntos. O Goldman Sachs e muitos outros deram-lhe milhões. Eles não iam tocar um música que Wall Street não gostasse. Isso era óbvio.
As pessoas achavam que as reformas da saúde seriam reformas de verdade, que haveria serviço de saúde de verdade, como há na Europa. Eles subestimaram o lobby da indústria farmacêutica e das empresas de plano de saúde e asseguraram que as reformas estavam sob seu controle. Então, quando houve as pressões das corporações nos Estados Unidos, Obama capitulou.
Fora do país, houve guerra, como usualmente. Mas, internamente, mesmo com promessas que não tem nada a ver com as corporações, como “iremos fechar Guantánamo”, não se fez nada. Com o que se prometeu de “iremos acabar com tortura, rendições”, também nada. O chefe da CIA, Leon Panetta, foi questionado sobre as torturas, e nada ocorreu.
Então, o desapontamento entre seus próprios apoiadores nos Estados Unidos é muito alto. Eu estava nos Estados Unidos durante a campanha de Obama, e não há dúvida que entre as idades de 18 e 26, uma quantidade enorme de jovens se mobilizaram por ele. Então, essas são as pessoas mais desapontadas com Obama nos Estados Unidos.
Caros Amigos: Quais são as consequências desse desapontamento?
Tariq Ali: Nas eleições de meio mandato, muitos dos apoiadores de Obama não votaram, eles ficaram em casa. Então, os republicamos ganharam a Câmara dos Representantes, com uma maioria enorme, e no Senado, teve uma pequena maioria para o Obama, mas eles perderam. E, se continuar assim, é uma pergunta em aberto o que irá acontecer em 2012. Não que isso importe, pois o sistema é tão forte agora, que é necessário ser um presidente muito corajoso e confiante para mudar isso, mesmo que pouco.
Caros Amigos: Como a guerra no Afeganistão está afetando o Paquistão? Por que os Estados Unidos querem comprometer Paquistão contra os talebans?
Tariq Ali: Os Estados Unidos não podem acreditar que eles não podem ganhar aquela guerra. Então, eles precisam achar pessoas para culpar e quem eles podem mais facilmente culpar é o Paquistão. É por isso que eles estendem a guerra ao Paquistão. Isso criou uma situação em que uma pesquisa de opinião conduzida por uma organização estadunidense descobriu que 70% dos paquistaneses dizem que o maior mal no mundo são os Estados Unidos.
E isso não é oposição religiosa — e, sim, oposição política ao projeto americano. Isso é, essencialmente, porque os Estados Unidos fizeram isso. Isso criou uma confusão enorme, não apenas no Afeganistão, mas também no Paquistão, e essa é uma história triste. Muitas pessoas, incluindo eu, os odiamos. Se você mantém a guerra, há possibilidades perigosas para todo mundo, para o país, e não se pode ganhar a guerra no Afeganistão assim. Essa é a guerra que eles não podem ganhar. Como você pode ganhar uma guerra quando a maioria das pessoas se opõe à sua presença?
Caros Amigos: Como é a situação no Paquistão, hoje?
Tariq Ali: Eu analiso o Paquistão em um meu livro Duelo. É um país onde há uma elite e exército corruptos e venais. Todos eles prontos para ganhar dinheiro e prontos para fazer o que os Estados Unidos querem. É um país onde não há educação para os pobres, não há saúde, moradia e comida para pobres. E é um país grande, de 200 milhões de pessoas. E a imagem que as pessoas tem é de um país fora do controle, com pessoas loucas com barba. E é uma imagem horrível. E não é verdade.
Quando há eleições, menos de 5% da população vota nos partidos religiosos moderados. A maioria não gosta deles. Provavelmente há mais religiosos fundamentalistas nos Estados Unidos e no Brasil do que no Paquistão. Então, o problema real do país é pobreza e má nutrição. E, se algum governo tentar resolver esses problemas, o país será transformado — mas eles não fazem isso, porque se sentem ameaçados. É uma classe dominante realmente nojenta. Eles apenas querem fazer dinheiro. E o presidente atual do Paquistão, Asif Ali Zardari é um criminoso. E todo país sabe disso. Mas os Estados Unidos gostam dele porque ele faz o que eles dizem.
Caros Amigos: O que eles pedem?
Tariq Ali: “Fazer o que dizemos, vá e brigue aqui, vá e brigue lá”, e os Estados Unidos controlam esse país há muito tempo. Agora culpam o país sobre o que eles pediram para fazer no passado. Como esses pequenos grupos extremistas surgiram? Porque eles estavam em guerra pelos Estados Unidos contra a União Soviética nos anos 1980. Eles foram criados pelos Estados Unidos. Os livros que eles estudavam nas escolas religiosas foram publicados no Arizona, na Universidade de Nebraska.
Muitos dos terroristas de hoje foram treinados nos Estados Unidos, onde aprenderam como atirar em helicópteros. Hoje é altamente irônico que eles estejam fazendo isso contra os Estados Unidos. É um país que está sendo usado. Um general aposentado me disse uma vez e eu coloquei isso num dos meus artigos. Ele disse: “você tem que entender que, para os Estados Unidos, o Paquistão é como uma camisinha. Eles nos usam e nos descartam”. É uma descrição muito gráfica.
Caros Amigos: O país está sendo usado para confrontar os talebans também?
Tariq Ali: Sim, mas eles não podem. Ele está sendo usado, mas os militares não querem fazer isso porque pode criar problemas ao matar pessoas que os ajudaram no passado. Hoje, vemos os Estados Unidos usando o Paquistão militarmente para dialogar com o taleban ou com os neotalebans, os novos grupos que estão surgindo.
Nos últimos três, quatro anos tem havido discussões entre os talebans, insurgentes e agências de inteligência dos Estados Unidos. E os Estados Unidos estão dizendo, “juntem-se ao governo de coalizão em Cabul”, e eles disseram: “enquanto vocês estiverem no nosso país, não o faremos. Primeiro, todas as tropas estrangeiras devem sair, e depois nós decidimos o que faremos”.
Caros Amigos: Como o senhor vê a reação de Obama em relação ao vazamento das informações do WikiLeaks sobre as violações de direitos humanos?
Tariq Ali: Basicamente, todos sabem o que eles fazem. E os WikiLeaks não foram uma surpresa para ninguém. O argumento de que tais documentos colocam em risco de vida os americanos é estúpido, porque isso é assumir que o país onde isso está acontecendo as pessoas não sabem disso, isso é novo para elas. Eles sabem disso. Então por que estão em perigo, se não é um segredo?
Os americanos torturaram pessoas no Vietnã, abertamente. Então por que é um grande segredo que impérios torturam suas vítimas e sua resistência? Eles fazem isso na prisão de Bagram, no Afeganistão, que é uma câmara de horror comparada com Guantánamo.
Portal Vermelho
loading...
Por Marco Antonio LDo Blog Pragmatismo Político Os Estados Unidos contra o Mundo! Quem pode mais?Houve um tempo em que Estados Unidos tinham muitos amigos, ou pelo menos seguidores relativamente obedientes. Hoje em dia, parece que não têm nada além...
O GLOBO - 16/07/11 Se você é um sobrevivente das crises dos anos 80 e 90, pense no que seria impensável naquela época: que os Estados Unidos entrassem numa corrida contra o tempo para evitar o calote da dívida. Seria visto como improvável o que...
Diogo MainardiObama, Dilma e tia Clélia"Quando os Estados Unidos bandearam para a direita, nós também bandeamos. Melhor para nós. Até na América Latina a esquerda está encrencada"Barack Obama só durou um ano. Ele ia mudar tudo. Qual foi o resultado?...
O GLOBO NOVA YORK. Para não haver dúvida de que o conceito de "poder inteligente" ("smart power"), defendido pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ao assumir o posto, não descarta o uso do "poder forte" ("hard power"), os dois...
Blog Noblat Daqui de Nova York eu poderia alegrar os leitores do blog e dizer que fui testemunha ocular de um momento histórico e assim rechear a sabedoria convencional com um monte de pieguismos sobre a vitória de Barak Obama. Tudo bem, foi lindo...