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DOIS EM UM Mohammed em 2003, gordo e de bigode, e hoje: cara de Osama |
A decisão, enfim, foi anunciada: Khalid Sheikh Mohammed, o terrorista que ficou a cara de Osama bin Laden, será julgado pela Justiça civil na cidade de Nova York. KSM, como é conhecido, foi o cérebro operacional dos atentados de 11 de setembro de 2001, que mataram 3.000 pessoas. Junto com outros quatro comparsas que também serão julgados em Nova York, ele organizou toda a operação, cuidando da comunicação, da logística, do financiamento. É réu confesso, está detido na prisão de Guantánamo e, quando tudo estiver pronto, será transferido para Nova York. Apresentada assim, a decisão parece simples, mas ao definir que KSM não será julgado num tribunal militar em Guantánamo, e sim numa corte civil em Nova York, o governo dos EUA foi triplamente ousado.
Primeiro, pelo simbolismo: KSM será julgado a poucos quarteirões de onde se erguiam as torres do World Trade Center, que definiam a paisagem da metrópole. Segundo, pela segurança: seu julgamento vai requerer um esquema excepcional de proteção, muito mais rigoroso do que o adotado quando a cidade recebe reis, primeiros-ministros e presidentes para reuniões anuais das Nações Unidas. A terceira ousadia é a maior de todas e está no campo jurídico: já pensou se KSM, o réu confesso do maior atentado da história americana, sai inocentado do tribunal, sob gritos de "Allahu akbar" e com direito a deslocar-se livremente até a maior mesquita de Nova York, no Upper East Side, e agradecer a Alá sob sua abóbada azul-turquesa?
É improbabilíssimo, mas não é impossível. Preso no Paquistão em 2003, gordo e de bigode, KSM ficou hospedado numa prisão secreta da CIA na Polônia, foi torturado com simulação de afogamento 183 vezes e, de barba à la Osama, está detido até hoje na prisão de Guantánamo, sem que seja formalmente um prisioneiro de guerra. É tudo juridicamente questionável. A decisão de julgá-lo numa corte civil amplia seus direitos constitucionais e aumenta a margem de sucesso de seus advogados, que com certeza contestarão a legalidade do julgamento e a pena que receberá - de morte, provavelmente. O risco é ousado, mas merece ser aplaudido. Na guerra contra o terror, o governo de George W. Bush violou garantias invioláveis. Agora, retomar o caminho do "devido processo legal" é uma homenagem à democracia e à legalidade - e, para começo de conversa, o primeiro tapa de luva de pelica na cara do terror.