Travessura de mãe
Política

Travessura de mãe



Walnize Carvalho

Percebi do meu quarto que do cômodo ao lado vinha uma claridade. Caminhei até a sala.
Olhei com olhos preguiçosos de abrir, o relógio na parede: duas horas.
Atravessei o corredor.
A luminosidade que filtrava em toda casa vinha do quarto dos filhos.
Espiei, discretamente, pela abertura da porta.
Estavam dormindo. Janela aberta. O frescor da madrugada sobre suas faces.
Eles ali dormindo, displicentemente.
Os olhei com ternura.
Apaguei a luz do abajur. Desliguei o som.
De volta à sala procurei na estante o livro “Tantas Vozes” de Ferreira Gullar . Encontrou o poema “Filhos”.(*)
Enxuguei a lágrima teimosa e, numa atitude pueril, busquei no fundo da gaveta do armário da cozinha uma lanterna.
Sorrateiramente entrei no quarto. Munida de luz e caneta “pilot” transcrevi os versos na porta clara.
Escrevi. Ri. Segurei a emoção para não escapar nem um ruído que fizesse os meninos acordarem .
Acabando o poema, suspirei pensando : como é bom ser criança. Ser mãe. Ter os filhos que eu tenho!
Perdão filhos! Por ter brigado tantas vezes pelas garatujas que fizeram em criança!

(*)Filhos
Ferreira Gullar

“ Daqui escutei
quando eles
chegaram rindo
e correndo
entraram
na sala
e logo
invadiram também
o escritório
(onde eu trabalhava)
num alvoroço
e rindo e correndo
se foram
com sua alegria
se foram
Só então
me perguntei
por que
não lhes dera
maior
atenção
se há tantos
e tantos
anos
não os via crianças
já que
agora
estão os três
com mais
de trinta anos.”



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