Um fundo para distribuir renda - Suely Caldas
Política

Um fundo para distribuir renda - Suely Caldas


O Estado de S.Paulo - 26/02/12


Finalmente - se não surgirem novas resistências - a Câmara dos
Deputados vai retomar esta semana a votação da criação do Funpresp, o
Fundo de Previdência Complementar do Serviço Público Federal, que o
governo pretendia aprovar em 2011, mas o PT e outros partidos aliados
boicotaram. O último boicote foi o faniquito do presidente da Câmara,
Marco Maia (PT-RS), que bateu o pé e, intempestivamente, retirou a
matéria de pauta em represália à não nomeação de um apadrinhado seu
para a diretoria do Banco do Brasil. É com tal descaso e desrespeito
aos eleitores e ao País que parlamentares do PT tratam os problemas da
República. Mas agora parece não haver mais desculpa e o fundo pode ser
definido esta semana.

A criação do fundo não resolve no curto prazo o bilionário déficit
previdenciário dos servidores do Executivo, do Legislativo e do
Judiciário, que saltou de R$ 29,5 bilhões, em 2002, para R$ 56
bilhões, em 2011, e vai terminar 2012 acima de R$ 60 bilhões. Mas
aprová-lo é uma questão de justiça social. Além de vedar o ralo por
onde se esvaem a cada ano mais e mais bilhões de reais, no longo prazo
ele resolve em definitivo o maior foco da desigual e injusta
distribuição de dinheiro público no País.

Algumas comparações comprovam a injustiça: enquanto 1 milhão de
servidores (0,005% da população) mordem R$ 56 bilhões do dinheiro que
os 190 milhões de brasileiros pagam em impostos, o governo vai aplicar
este ano apenas R$ 42,5 bilhões em investimentos do Programa de
Aceleração do Crescimento - incluindo rodovias, ferrovias, portos,
hidrelétricas, saneamento, habitação. E a vida de muitos milhões de
brasileiros poderia melhorar se o governo aumentasse esse valor. Tanto
se fala em deficiências em saúde e educação, mas, se essa minúscula
parcela de 0,005% da população não concentrasse tanta verba pública,
sobraria mais dinheiro para melhorar esses serviços.

O Brasil é o país que mais gasta para seus servidores terem o
privilégio de se aposentar com o mesmo salário da vida ativa. Até os
ricos países europeus da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) - e sua conhecida generosidade com sistemas
previdenciários - gastam menos do que nós. Os funcionários aposentados
desses países custam aos governos em média 2% do PIB (varia entre 0,8%
a 3,5%), equivalente a 5% da arrecadação tributária (entre 2,4% a
7,6%). Já o Brasil gasta quase 5% do PIB ou 15% da receita com
impostos. O governo Dilma tem pressa em aprovar o fundo porque em 2012
estão previstas 57 mil novas contratações de servidores, que já
entrariam sob o novo regime.

O projeto original do governo foi modificado, em comissões na Câmara,
em três itens essenciais:

ele igualava em 7,5% do salário a contribuição mensal do governo e a
dos servidores. Na nova versão, o governo contribui com 8,5%, rompendo
a paridade;

o projeto original previa a constituição de um único fundo para os
Três Poderes. Por pressão do Judiciário, ficaram três fundos
distintos;

e a gestão do dinheiro seria profissional, terceirizada e confiada a
instituições financeiras especializadas. O novo projeto entrega a
gestão a diretorias e conselhos indicados pelos Três Poderes e seus
funcionários.

Das três mudanças, a mais perigosa é a relativa à gestão. O passado
dos fundos de estatais é estarrecedor em matéria de incompetência e
interferências políticas que resultaram em prejuízos enormes aos
participantes dos fundos. Está tudo documentado no relatório de uma
CPI em que aparecem investimentos desastrosos em imóveis, hotéis,
shoppings e até em sepulturas. Marcados por corrupção e desvio de
dinheiro, esses investimentos geraram déficits milionários que os 190
milhões de contribuintes sempre bancavam. É arriscado abrir brechas
para repetir essa prática. O governo não deveria abrir mão da
terceirização. Ela é quase uma norma em fundos de empresas privadas,
com resultados altamente positivos. Já a gestão entregue a
sindicalistas ou apadrinhados políticos... nossa história é farta em
desastres para aceitar repeti-los.




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