Uma ata ruim para o Copom EDITORIAL ESTADÃO
Política

Uma ata ruim para o Copom EDITORIAL ESTADÃO



EDITORIAL O ESTADÃO - Uma ata ruim para o Copom

O Estado de S. Paulo - 09/09/2011

O Banco Central (BC) continua devendo uma boa explicação para o corte de juros anunciado na semana passada. Os motivos para classificar essa decisão como um lance de alto risco são ainda tão fortes quanto na semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) baixou de 12,5% para 12% a Selic, a taxa referencial da economia brasileira. Divulgada ontem, a ata daquela reunião é decepcionante. A justificativa poderia não convencer, mas esperava-se pelo menos uma argumentação bem elaborada, talvez surpreendente. O longo arrazoado ficou longe disso e reforçou duas suspeitas: o BC passou a agir sob pressão política e o regime de metas de inflação está ameaçado. Se a política monetária continuar nesse rumo, o sistema de metas poderá ser nominalmente mantido, mas sem relevância prática.

A decisão do Copom foi baseada em três apostas: 1) a crise internacional, mais persistente e menos aguda que a de 2008-2009, causará uma desinflação e esse efeito será transmitido ao Brasil; 2) a demanda interna perderá vigor e deixará de alimentar a alta de preços; e 3) o governo vai cumprir as promessas de austeridade e as contas públicas serão um fator de ajuste da economia nacional.

Nenhum argumento de peso foi apresentado a favor dessas expectativas. Ao contrário: o texto contém um bom número de razões para se manter o aperto monetário ainda por algum tempo. Não haveria grande perda para a economia se os juros fossem mantidos até se delinear mais claramente o quadro internacional. Mas uma redução precipitada pode ter um custo elevado, se as pressões inflacionárias forem mais persistentes do que esperam os defensores do corte imediato da Selic.

Dois dos cenários mencionados na ata - o de referência, construído pelo pessoal do BC, e o de mercado - indicam para 2011 inflação maior que a estimada em julho e, portanto, mais distante do centro da meta, de 4,5%. Nos dois casos, a inflação ficará "em torno" da meta em 2012 e assim continuará no primeiro semestre de 2013. Em outras palavras, inflação no centro da meta, no fim do próximo ano ou no começo do seguinte, ainda seria uma previsão muito otimista. Detalhe: no quadro de referência a taxa Selic é mantida em 12,5% e o dólar vale R$ 1,60. Só num terceiro cenário, chamado de alternativo, a crise internacional derruba os preços, impõe um freio à economia brasileira e permite conter a inflação interna mesmo com juros menores.

Não há como desprezar essa possibilidade, mas também não há como justificar a decisão de cortar os juros por conta de uma desinflação externa ainda hipotética. Além disso, o impacto da crise internacional no Brasil será equivalente a um quarto do observado em 2008-2009, segundo o tal cenário alternativo.

A ata menciona várias vezes a forte demanda interna e o descompasso entre o seu crescimento e o da oferta. Menciona também o reduzido desemprego, a pequena folga no mercado de trabalho e a expansão da massa de salários como fatores de sustentação de uma forte demanda. Aquele descompasso, segundo o texto, envolve "riscos relevantes", mas em seguida, sem nenhum argumento convincente, esses perigos são descritos como "decrescentes". O texto contém apenas arremedos de argumentos. O nível do uso da capacidade instalada tem diminuído. Mas não convence usar essa referência, quando a utilização permanece acima de 80% e a variação é marginal. Outro motivo de otimismo é "o processo de consolidação fiscal". Esse ponto é mencionado várias vezes, como se os autores da ata ignorassem dois conjuntos de fatos evidentes: 1) a folga fiscal deste ano resulta de um enorme aumento real da arrecadação e só isso explica o aumento de R$ 10 bilhões no superávit primário programado; e 2) a proposta de Orçamento para 2012 é expansionista, o governo admite recorrer mais uma vez a um desconto contábil para cumprir a meta fiscal, há pressões por novos aumentos salariais e a gastança tende a crescer por causa das eleições municipais.

Apesar de todos esses fatos, o Copom decidiu reduzir os juros agora, como se a mudança na gestão das contas públicas fosse um fato. Pagou adiantado numa demonstração notável de confiança ou foi pressionado a agir dessa forma? A ata não deslinda nenhuma das dúvidas vexatórias.



loading...

- Abandono Ou Não Do Sistema De Metas Volta à Berlinda - JosÉ Paulo Kupfer
O ESTADÃO - 07/09 Serão duas as principais discussões motivadas pela ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem.Aprimeira será sobre o fim do ciclo de cortes na taxa básica de juros (taxa Selic).O outro...

- A Hora Da Dolorosa - Alexandre Schwartsman
Valor Econômico - 06/09Há um ano o Banco Central (BC) começou um processo de redução de taxa de juros cujo fim foi sinalizado na reunião do Copom da semana passada (embora, dado o histórico recente de comunicação do BC, possa haver distância...

- Equação Incompleta - Míriam Leitão
O Globo - 30/09/2011  O Banco Central acha que mesmo numa situação em que os juros permaneçam em 12%, e o dólar fique em R$1,65, a inflação chegará ao final do ano em 6,4%. Ainda assim, diz que há 45% de risco de ultrapassar o teto da meta...

- José Márcio Camargo A Intensidade Do Ajuste E A Meta De Inflação
O Estado de S. Paulo - 14/07/2011 Após um início de ano hesitante, com dificuldade de se comunicar com o mercado financeiro, a partir de abril o Banco Central (BC) passou a dar sinais inequívocos de que está comprometido com atingir o centro da...

- Celso Ming - Curto-circuito
O Estado de S. Paulo - 27/03/2010 Já havia certa desproporção na decisão do Copom tomada dia 17. Agora, o conteúdo da ata divulgada quinta-feira sugere a existência de uma desproporção entre os fatos e a decisão tomada que pode provocar um curto-circuito...



Política








.