Constituida por um conjunto de 9 edificios com andares concebidos em open-space o novo complexo urbanístico destinava-se à comercialização de áreas de escritórios para venda. Quer dizer, o investimento inicial em dinheiro gerido pela Norfin a troco de comissões sobre o capital, tinha-se transformado num bem imobiliário avaliado em 180 milhões de euros, em tosco e sem utilizador definido. Executado pela Edifer (2), o complexo urbanistico com duas ruas e jardins interiores foi a maior contratação de sempre para uma única obra imobiliária em Portugal e uma das maiores da Peninsula Ibérica (3). Foi também a primeira operação da Norfin em Portugal (4). Diz na sua página de apresentação (5) o próprio promotor da Parceria Público-Privada responsável pelo futuro “Campus da Justiça” em economês técnico: “na Norfin, estamos convencidos que uma boa estratégia para o imobiliário, “como classe alternativa de investimento, só se verifica se os investimentos forem mantidos como veículos de exposição a riscos imobiliários e não forem transformados em veículos de risco "financeiro" através da utilização de estruturas de capital sobre-endividadas”
Cinco anos depois do inicio do projecto, ultrapassadas algumas dificuldades jurídicas relacionadas com compromissos técnicos devidos à Parque Expo, era preciso encontrar um cliente-destinatário que pagasse os 180 milhões, naturalmente acrescidos de comissões e lucros. Quando em Junho de 2008 o ministro da Justiça do governo de José Sócrates assinou um contrato de arrendamento de 1.568 euros mensais (6) para transferir para ali todos os Tribunais dispersos por Lisboa em edificios avulso propriedade do Estado, o caso levantou as primeiras suspeitas.
Qual a razão para o Estado entregar a privados empreendimentos que poderia ele próprio gerir? Compadrios politicos na apropriação por privados de bens e receitas públicas. Os responsáveis têm nome. “Durante um século, até 1996, o preço das casas subira 27%. Nos dez anos seguintes subiram 92%. Nunca se tinha visto tal coisa…” (9). Foi o ministro Bagão Félix do governo de Durão Barroso quem decidiu apropriar-se dos Fundos de Pensões Públicas e investi-los na especulação imobiliária em 2002 tão em voga.
Existe uma ideia generalizada que os grandes empresários adoram a liberdade capitalista. Mas as coisas não são bem assim. Os grandes empresários tradicionais não gostam muito do chamado mercado livre. Eles gostam mesmo é de Estado (a seu favor)
A segunda ronda de investigação recaiu sobre a natureza accionista da Norfin. O presidente do Conselho de Administração é João Ramirez Sanches, um dos executivos é João Bion Sanches; entre os vogais, com participação accionista, estão Filipe Botton e Alexandre Relvas. (10) Relvas e Botton, que formam parceria em negócios empresariais desde os tempos da universidade, foram condecorados ex-aquo em 21 de Junho de 2011 com o Prémio Carreira da Universidade Católica. Alexandre Relvas (55 anos) é casado com Madalena Champalimaud de Campos Trocado; accionista com 9% na Logoplaste, administrador da REN, accionista da Norfin (11) e presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro (PSD). É membro destacado do lobie neoconservador “Compromisso Portugal” e foi director destacado da candidatura de Anibal Cavaco Silva a presidente da república em 2006. Os tentáculos empresariais de Relvas no Estado são de tal ordem que inspirou Cavaco Silva naquele seu jeito sarnento e entaramelado a designá-lo como “o meu Mourinho” (12). Ou seja, Alexandre Relvas, privilegios adquiridos como “homem do presidente”, tornou-se de facto senhorio do nóvel Campus da Justiça
Para além da fraude inicial, como veremos, trata-se de um negócio que custará mais de 220 milhões aos cofres do Estado nos próximos 18 anos. Como existem indícios de que o contrato assinado pelo IGFJ (Instituto de Gestão Financeira da Justiça) terá lesado o interesse público, daí a acusação judicial por participação económica em negócio. Investigação para a qual o Ministério da Justiça (MJ) tem sido (pensa-se) obrigado a ceder toda a documentação aos magistrados. Mas é claro, como se trata de um assunto de Justiça a ser derimido dentro do Campus da Justiça, a indecisão acabará por morrer de velha em casa.
No primeiro mês do contrato celebrado em 2008 o MJ pagou logo 2 milhões de euros (primeira renda e um mês de caução, conforme previsto em qualquer contrato de arrendamento. No mês seguinte foram pagos mais 2 milhões de euros e, a partir daí, o cerca de milhão e meio de rendas mensais contratualizado. Em Setembro desse mesmo ano, ainda com as instalações vazias, o MJ já tinha pago mais de 8 milhões de euros. O elevado custo, aparentemente sem nexo, prende-se com atrasos no pagamento de rendas, exigiveis em dobro segundo a lei e pelos custos com obras de adaptação dos edificios, sendo este valor diluido no pagamento das rendas futuras. A mega-operação de implantação de divisórias de todos os serviços transferidos, existiu um projecto adicional no lay-out (14) de distribuição de espaços (para a transformação dos "open-space" em locais mais ou menos funcionais e compatíveis com o destino que agora iriam ter) onde se concentram 21 tribunais, juízos, serviços do Ministério Público, conservatórias, direcções-gerais e Institutos públicos. Depois de normalizados estes extras, o valor de 12,5 milhões que o Estado vai pagar por ano é quase o dobro do que pagava antes no funcionamento dos 25 organismos em edificios próprios. Tudo sob o pretexto inicial de que iria poupar 15% nessas despesas – juntando departamentos em proximidade que na sua essência nada têm a ver uns com os outros. “Passados três anos, conclui-se facilmente que se verificou o oposto. As rendas dos prédios dispersos por toda a cidade de Lisboa custavam em 2008 um total de 7,6 milhões de euros, segundo dados oficiais do IGFIJ. Mas, só em 2010, as rendas do novo Campus de Justiça ascendiam a 12,5 milhões de euros por ano (15) Um acréscimo de cinco milhões de euros que contradiz qualquer tipo de poupança” (16).
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