No dia 10 de maio, uma professora, Amada Gurgel, falou em audiência
pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte meia dúzia de
verdades que desenharam em parte o cenário da educação no País.
Às autoridades presentes restou o silêncio diante das palavras de uma
brasileira angustiada.
As seguintes: "Durante cada fala aqui eu pensava em como organizar a
minha fala. Porque são tantas as questões a serem colocadas e tantas
as angústias do dia a dia de quem está em sala de aula, que eu queria
pelo menos conseguir sintetizar minimamente essas angústias.
"Como as pessoas sempre apresentam muitos números e dizem que eles são
irrefutáveis, eu gostaria também de apresentar um número que é
composto por três algarismos apenas, bem diferentes de tantos números
que são apresentados aqui com tantos algarismos: é o número do meu
salário, R$ 930, com nível superior e especialização.
"Eu perguntaria a todos aqui, mas só respondam se não ficarem
constrangidos, se vocês conseguiriam sobreviver ou manter o padrão de
vida que vocês mantêm, com esse salário. Certamente não conseguiriam.
"Não é suficiente nem para pagar a indumentária que os senhores e as
senhoras utilizam para poder frequentar esta Casa. A minha fala não
poderia partir de um ponto diferente, porque só quem está em sala de
aula, só quem pega três ônibus por dia para chegar a seu local de
trabalho é que pode falar com propriedade.
"Fora disso, qualquer consideração aqui é apenas para mascarar uma
verdade visível a todo mundo: em nenhum governo, em nenhum momento no
nosso Estado, na nossa cidade, no nosso país a educação foi uma
prioridade.
"Então, me preocupa muitíssimo a posição da maioria, inclusive da
secretária (de Educação) Betânia Ramalho, de não falarmos sobre a
situação precária porque isso todo mundo já sabe.
"Como assim, não vamos falar da situação precária? Gente, estamos
aceitando a condição precária da educação como uma fatalidade?
"Estão me colocando dentro de uma sala de aula com um giz e um quadro
para salvar o Brasil, é isso?
"Salas de aulas superlotadas com os alunos entrando com uma carteira
na cabeça porque não têm carteiras nas salas e sou eu a redentora do
País? Não tenho condições, muito menos com o salário que recebo.
"A secretária disse que não podemos ser imediatistas, que precisamos
pensar a longo prazo. Mas a minha necessidade de alimentação é
imediata. A minha necessidade de transporte é imediata, a necessidade
dos alunos de ter uma educação de qualidade é imediata.
"Eu gostaria de pedir aos senhores que se libertem dessa concepção
extremamente equivocada, e digo isso com mais propriedade do que os
grandes estudiosos: parem de associar a qualidade da educação com
professor dentro da sala de aula.
"Não há como ter qualidade em educação com professores trabalhando em
três turnos seguidos, multiplicando seus salários: R$ 930 de manhã, R$
930 de tarde, R$ 930 de noite para poder sobreviver. Não é para andar
com bolsa de marca nem para usar perfume francês.
"É para pagar a alimentação de seus filhos, para pagar a prestação de
um carro que muitas vezes compram para se locomover mais rapidamente
entre uma escola e outra.
"Não me sinto constrangida de apresentar meu contracheque, porque
penso que o constrangimento deve ser de vocês.
"Lamento, mas deveriam todos estar constrangidos. Entra governo e sai
governo e o que se solicita de nós é paciência e tolerância.
"Quero pedir à secretária paciência também porque nós não aguentamos
mais esse discurso.
"Não podemos ser responsabilizados pelo caos que na verdade só se
apresenta para a sociedade quando nós estamos em greve, mas que está
lá todos os dias dentro da sala de aula, em todos os lugares.
"São muitas questões mais complexas que precisariam ser postas aqui.
Mas infelizmente o tempo é curto e é isso que eu gostaria de dizer em
nome dos meus colegas que pegam três ônibus para chegar ao local de
trabalho, em nome dos estudantes que estão sem aula agora por causa da
greve, mas que ficam sem aula por muitos outros motivos."
É isso. Embora não seja apenas isso.