Folha de S. Paulo - 24/12/2009 | |
"SERÁ O Natal dos consumidores emergentes, novos clientes que se inseriram no consumo, que não curtiam Natal e que passarão a curtir", previa em novembro um grande lojista. "Neste ano, o tíquete médio do Natal vai subir", dizia outro. "O melhor Natal da história foi o do Real, em 1994. O recorde ficou para 2010", lamenta-se um velho lojista, apesar dos esforços do governo: "Faremos o necessário para que o brasileiro tenha o melhor Natal da sua vida", dizia um ministro. O que é o "melhor Natal"? "Queremos que este seja um Natal muito bom para a família brasileira, com troca de carro e de móveis e agora com a compra de uma moto também", explicaria o mesmo ministro. A data cristã mais importante é a da Ressurreição de Cristo, não o Natal. Um tanto por isso, a queixa clichê, cafona e farisaica sobre o comercialismo de Natal parecia tola e ignorante mesmo para um católico que se tornou ateu. Com os anos, veio certa tolerância com a comemoração. Com alguma boa vontade, pode-se interpretá-la como a festa do período das boas disposições de espírito. Intolerável mesmo é a efusão adicional de feiura que a data suscita, a começar pelo palavreado de comerciantes, governo e seus publicitários. "Emergentes curtindo o Natal", "tíquete médio recorde", "Natal das motos", Natal como "mais uma realização do governo", tudo isso uma exsudação de mau gosto, vulgaridade e grosseria, aliás tão tipicamente nossas. Por falar em típico, a uniformidade de costumes, nossa ignorância novidadeira e nossa falta de imaginação deixam ainda mais sem graça as festas tradicionais. Não está longe o dia em que um prefeito contratará as bandas "Calcinha Roxa" e "Colapso" para um show de Páscoa. Talvez já tenha acontecido. Em Barbalha, no Cariri cearense, havia uma festa bonita de santo Antônio, com pau-de-bandeira e tudo mais. Pau-de-bandeira ou mastro de santo é o tronco de árvore pintado onde é amarrada a bandeira do santo, Antônio, Pedro ou João. Agora, dizem, Barbalha tem show pop. As festas juninas do Nordeste quase todas têm. A casinha ora museu de mestre Vitalino, o dos bonecos de barro, uma vez quase foi destruída por uma horda de bêbados saídos de um show pop junino em Caruaru, me contou um dia Severino, filho do artista. Noutra ocasião, viajando pelo vale do Jequitinhonha, tive a sorte de cruzar com lavadeiras cantoras, na margem do rio. Hoje, quase só é possível ouvir lavadeiras em discos de grupos folclóricos. Mas por azar passava na cidade um trio elétrico contratado para uma micareta da prefeitura. O Jequitinhonha é triste de pobre, cheio de "viúvas da seca". Poluído e assoreado, o rio mal dá peixe e mal dá para lavar a roupa na margem. O atraso insuportável do Jequitinhonha, porém, preservou coisas como cantos quase medievais e criou artistas como dona Isabel das estátuas de barro e tintas naturais. Tão velho como as queixas sobre o Natal é esse lamento reacionário e esnobe sobre o "fim da autenticidade", das "cores locais" etc., que no fim das contas pede às gentes do interior que preservem relíquias que ainda escapam da uniformização geral. As gentes decerto serão mais felizes no melhor Natal da família brasileira, o do tíquete médio recorde. |