GOV. FHC: EUA GRAMPEARAM O ALVORADA - IIº
Segue a entrevista do ex-chefe do FBI no Brasil, Carlos Alberto Costa, publicada na CartaCapital nº 283, de 24/03/2004, páginas 39 a 51.
A entrevista é bastante longa, ocupa 13 páginas da revista. Tenho de reproduzir pouco menos de todo o diálogo, pois quase tudo nele é fundamental, penso eu, pelo menos como uma contribuição à formação da incipiente consciência nacional.
CartaCapital - Você chefiou o FBI no Brasil? Por quanto tempo?
Carlos Alberto Costa - Chefiei o FBI no Brasil. Por quatro anos. até quase o final do ano [de 2003].
CC - Como eram, são, as relações dos serviços secretos dos Estados Unidos com as polícias do Brasil?
CAC - Você se refere à polícia de vocês ou à comprada poe nós?
CC- Comprada?
CAC- Sim, comprada. Nossas agências doam milhões de dólares por ano para a Polícia Federal, há anos, para operações vitais. No ano passado, a DEA doou uns US$5 milhões, a NAS (divisão de narcóticos do Departamento de Estado), também narcóticos, uns US$3 milhões, fora todos os outros. Os Estados Unidos compraram a Polícia Federal. Há um antigo ditado, e ele é real: quem paga dá as ordens, mesmo que indiretamente. A verdade é esta: a vossa Polícia Federal é nossa, trabalha para nós. Os vossos governos parecem não dar importância à Polícia. Não sei se é herança da ditadura, quando a Polícia era mal- vista, mas isso é incompreensível. A Polícia, que deve ser uma entidade independente da política, independente de influências internas e externas, está, na prática, em mãos de estrangeiros.
CC - Isso se refere a todas as agências americanas que trabalham aqui?
CAC- A CIA é outra história... A CIA tem a função legal de um Serviço de Inteligência que atua no estrangeiro.
CC - Sim, mas também "doa", e atua com maior ou menor autonomia, se o Brasil permite.
CAC - Bom, eu concordo: atua com maior ou menor autonomia, mas o papel da CIA, do ponto de vista dos Estados Unidos, é correto e legal: é um Serviço de Inteligência no exterior.
CC - E quanto a CIA "doa"?
CAC - Não sei. Os outros serviços secretos são mais abertos, a CIA é fechada. O orçamento da CIA entra no orçamento da Defesa... Mas óbvio, como qualquer outro serviço secreto, utiliza o dinheiro para comprar, chantagear, pagar propinas...
CC - Vocês se mexem, se locomovem com facilidade no Brasil?
CAC - Aqui? Com toda a facilidade. Temos no Brasil o FBI, a DEA, a CIA e outros serviços. Somos identificados como diplomatas: attachés, adidos, assistentes. Eu, por exemplo, fui adido jurídico...
CC - Mas, em bom português, vocês são agentes secretos, espiões...
CAC - Se quiser usar esses termos, é isso mesmo. A questão é que não há razão nenhuma para se ter aqui agentes do FBI, da DEA, da NAS, da US Customs... (...) Qual é a necessidade de ter agentes de uma polícia, o FBI, cuja jurisdição é apenas nos Estados Unidos? Isso é uma violação à lei, segundo as próprias leis americanas.
CC - Chávez autoriza o FBI na Venezuela?
CAC - Chávez herdou um escritório, mas só que lá esses agentes não fazem nada; são monitorados e não podem se mexer.
CC - Antes de entrarmos no específico, na rotina, no dia-a-dia da embaixada, quais são as funções dos serviços secretos?
CAC - Digo logo: uma das importantes funções que nós temos na embaixada é manipular a imprensa brasileira.
CC - O quê? Explica isso aí...
CAC - A isso chamamos "influenciar".
CC - Por favor, detalhe esse "influenciar", dê exemplos.
CAC - Sem nomes. Começa, digamos assim, com o estabelecimento de boas relações. Detectamos jornalistas que sejam pró-América - evidente que isso em órgãos influentes junto à opinião pública - e os convidamos a ir aos Estados Unidos, com todas as despesas pagas. Essa não é a minha área, mas começa assim. Influenciar é mudar o pensamento contrário aos nossos interesses. A primeira atividade em qualquer reunião da embaixada é uma análise sobre o que diz a mídia a nosso respeito; CartaCapital, por exemplo, nunca foi vista com bons olhos lá na embaixada, para dizer o mínimo.
CC - Imagino o máximo...
CAC - Pois pode imaginar...
CC - Que argumentos valem para "influenciar"?
CAC - ... muita criatividade. "Influenciar" a imprensa, a mídia, é uma coisa muito natural de fazer...
CC - Em português claro: "Influenciar" significa, inclusive, se necessário, comprar?
CAC - É virar a opinião pública a nosso favor.
CC - Tá, mas...
CAC - Seja lá o que for necessário. Se é comprar, é comprar, há várias maneiras. Mas deixa pra lá... Voltemos às funções da CIA.
CC - Voltaremos à mídia adiante. A CIA: depende do Brasil cercear ou não a atuação da CIA, se deixar "comprar"...
CAC - É preferível o termo "influenciar". E também depende o quanto e a quem a CIA, a DEA e os demais vão "influenciar" no Brasil.
CC - É melhor usar o termo "influenciar", assim como em relação à imprensa...
CAC - Agora, o FBI, a DEA, a NAS, a US Customs (alfândega), o RSO, que são os seguranças internos da embaixada, e tantos outros serviços, o que estão a fazer aqui? Como é que os brasileiros, o seu governo, não se perguntam sobre isso? Como é que a imprensa não investiga, não diz nada a respeito? Todos têm agentes que entram e saem constantemente, atuam livremente por todo o País, é uma coisa incrível...
CC - O serviço secreto do seu presidente também investiga o Brasil?
CAC - Sim, e sem autorização da embaixada, autonomamente, nem nos avisam. (...)
CC - Todos agem como policiais e sem controle algum dentro do Brasil?
CAC - Sim. Se o Brasil assim permite, então muito bem.
(...)
CC - ... voltemos às polícias do Brasil...
CAC - Olha, se a ABIN mandar seus agentes trabalharem nos Estados Unidos, isso é muito natural, é função de um Serviço de Inteligência do presidente. Cabe a cada país anfitrião permitir, controlar essa presença ou não. Mas a ABIN é um Serviço de Inteligência sem missão. Não atua no estrangeiro como deve atuar um órgão vinculado à Presidência da República. Vivia, vive a investigar o MST e outros cidadãos brasileiros mais ou menos ilustres. Isso é uma violação de direitos civis em qualquer país democrático. Se a ABIN tivesse que investigar aqui dentro do Brasil, deveria investigar estrangeiros que aqui atuam, como os agentes de outros países.
CC - E se a Polícia Federal fizer ações de polícia dentro dos Estados Unidos?
CAC - Sem monitoramento nunca aconteceu. Eu autorizava muitos suportes, dava muito suporte à Polícia Federal para fazer investigações dentro dos Estados Unidos, mas nenhum policial brasileiro, em missão oficial, claro, entraria nos Estados Unidos sem a minha autorização e sem ter seus passos controlados pelo FBI. Por quê? Porque assim o protocolo é. [negrito nosso].
CC - Uma questão muito delicada. Tenho informações de que vocês - quando eu digo vocês, me refiro aos serviços secretos sediados na embaixada americana - receberam ordens, instruções para grampear a Presidência da República e o Itamaraty...
CAC - Bem... essa pergunta me surpreende!
CC - Surpreende? Mas quem executou a missão?
CAC - ... reafirmo: estou surpreso com sua pergunta. O que você sabe? O que você soube disso?
CC - Da ordem e do grampeamento dos Palácios da Alvorada e Itamaraty...
CAC - Não toco nesse assunto. Ponto final!
CC - Então você não confirma nem desmente?
CAC - Não confirmo nem desminto. Ponto final!
CC - Foi você quem executou a ordem?
CAC - ... Como você verá na nossa conversa daqui por diante, me recusei a cumorir ordens bem menos graves do que essa.
CC - O Estado brasileiro não controla os agentes estrangeiros?
CAC - Não controla. Porque quem paga é quem dá as ordens. Os Estados Unidos pagam, eles dão as ordens nos setores que lhe são vitais. Os seus governos não querem uma polícia independente, autônoma, bem paga e bem treinada, porque temem que o feitiço se volte contra o feiticeiro. É óbvio que qualquer polícia federal em qualquer país tem que buscar ser apolítica. Num cenário como o vosso, se instala um nível de corrupção ao qual temos de dar completa atenção. Mas mesmo assim tenho um grande respeito pela instituição da Polícia Federal. Tem bons delegados e agentes, o problema é de falta de autonomia. E quero fazer uma ressalva...
CC - Faça sua ressalva.
CAC - Fiquei quatro anos na chefia do FBI aqui no Brasil. Os primeiros três no governo passado, do Fernando Henrique, e só dez meses no governo atual. Até me admirei com o governo atual, que no cenário internacional tem tomado claras atitudes pró-Brasil e pró-independência diante dos Estados Unidos, mas, pelo que sei, não creio que o governo tenha noção do quanto a sua Polícia Federal está infiltrada por nós, há anos, o quanto depende de nós. Por que não tem autonomia na prática, não tem recursos.
CC - Operações como essas, cotidianas no Brasil, se acontecessem nos EUA, o que seria dos policiais norte-americanos envolvidos?
CAC - Nunca aconteceria. Se acontecesse, iriam todos para a prisão, de cima a baixo.
CC - Cadeia para o secretário de Justiça?
CAC - Pra todos, inclusive para o diretor do FBI. Por quê? Porque isso é uma violação à soberania. Agora, quero lembrar também que nós prestamos suporte e assistência ao Brasil constantemente, por exemplo, na corrente história de investigação do Banestado. Na investigação do juiz Lalau, rastreamos as contas e passamos isso tudo para o Brasil. Uma das coisa de que me honram foi conseguir o Tratado de Cooperação Mútua Legal, que facilita às polícias federais de ambos os países e os respectivos órgãos judiciais a se comunicar diretamente. Se estou nos Estados Unidos e necessito de uma ficha no Brasil para uma investigação, posso requerer diretamente à Polícia Federal ou ao Judiciário. Então não há razão alguma para os Estados Unidos manterem aqui policiais e agentes, o que apenas caracteriza uma agressão à soberania do Brasil.
CC - Então vocês estão aqui para quê?
CAC - É para ser claro? Para buscar informações e "influenciar" o anfitrião.
CC - Influenciar com aspas, inclusive. Vocês fazem qualquer coisa, quando querem?
CAC - Você entra em contato com o cidadão, compra qualquer cidadão, passa informações impunemente...
CC - Pode comprar um cidadão tranquilamente?
CAC - Lembra o caso de um fugitivo americano, Shalom Weiss, refugiado na comunidade hassídica [seita dada comunidade judaica] em São Paulo? Ele havia recebido a maior pena da Justiça americana, 845 anos de prisão por um rombo financeiro na Heritage Insurance Company; pagamos US$95 mil dólares, em cheque, a um informante brasileiro.
CC - Como foi essa operação?
CAC - Eu, do FBI, montei uma equipe com delegados da sua Polícia Federal, de Brasília, todos da minha confiança. Eles trabalharam para o FBI por uns três ou quatro meses, tudo pago pelo FBI. No governo Fernando Henrique. Eu não tinha confiança em certos policiais de São Paulo, e também do Rio, então requeri que essa equipe fosse transferida para São Paulo para trabalhar no caso, tudo pago.
CC - Tudo o quê?
CAC - Transporte, alojamentos, carros, diárias, tudo. Os policiais federais do Brasil sob nossa direção fizeram um excelente trabalho, inclusive grampearam a namorada brasileira do fugitivo. E aí essa namorada foi acompanhada por uma delegada da Polícia Federal num vôo para Viena, Áustria, onde se reuniu com Weiss. Lá, os agentes do FBI e a polícia local o prenderam (...)
[todos os negritos são nossos].
Haverá continuidade. Há muita informação importante nessa entrevista-depoimento a ser ainda passada adiante. Aguardem.
Contribuição de Martinho Nunes para o grupo Amigos do Franklin
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