Martin Wolf
Na semana passada, o mundo viu o "bom Gordon" do Reino Unido em ação. Diante da implosão do sistema financeiro do país, Gordon Brown, o primeiro-ministro do Reino Unido, agiu. O plano elaborado por seu governo é abrangente e ousado. Também será caro. Mas o custo será muito menor do que a alternativa - uma depressão.
Mais importante, outros agora concordam. As reuniões de autoridades financeiras em Washington, no fim de semana, renderam frutos, primeiro no comunicado geral e depois nos programas detalhados de ação. O acordo europeu é particularmente impressionante. Brown pode reivindicar merecidamente a posição de líder. Em conseqüência, o mundo deu um passo para longe do abismo, apesar da estrada adiante permanecer cheia de obstáculos.
Os autores de política finalmente perceberam que um plano para lidar com uma crise financeira tão severa deve conter os elementos que são individualmente necessários e coletivamente suficientes. Dois elementos são necessários: provisão volumosa de liquidez e recapitalização das instituições financeiramente fracas. Dois outros elementos ajudarão, dependendo das circunstâncias: garantias aos emprestadores e compras dos ativos com problemas. Os Estados Unidos, com seu sistema financeiro complexo e ativos hipotecários podres, considerarão garantias ilimitadas difíceis de administrar, mas poderão se beneficiar com as compras. Os europeus parecem estar na situação oposta.
Os programas anunciados são, em escala e construção, o que é necessário. Dificuldades surgirão na contenção dos efeitos distorcedores das garantias e nos arranjos para uma saída de um sistema parcialmente nacionalizado para um melhor regulado do que antes. Mas os anúncios feitos nesta semana, especialmente nos Estados Unidos, epicentro da tempestade, devem reduzir o pânico.*
O programa do Tesouro americano é, finalmente, adequadamente abrangente. Os anúncios europeus, com promessas de gastar mais de 1,873 trilhão de euros, também são impressionantes. Enquanto isso, o Reino Unido já investiu 37 bilhões de libras em três dos maiores bancos do país.
São ações extraordinárias para tempos extraordinários. Mas elas funcionarão? Dois riscos permanecem: primeiro, a preocupação poderá passar da solvência dos bancos para a dos governos; segundo, as economias podem se enfraquecer mais profundamente do que acreditam os autores de políticas. Esses riscos são reais, mas podem ser contidos.
Os governos dispõem do dinheiro que estão prestes a gastar? Sim, é a minha resposta. Na verdade, os governos deverão obter de volta do setor bancário todo o dinheiro que agora estão despejando. Presuma que as economias tenham um futuro. Se tiverem, os principais bancos ganharão dinheiro, como no passado. Se os bancos podem ganhar dinheiro, eles podem pagar os empréstimos. A tarefa é apenas a de projetar o apoio para assegurar que paguem.
A questão da possibilidade financeira é, portanto, uma de credibilidade fiscal: se os mercados se tornarem suficientemente preocupados com as despesas, particularmente em um momento de grandes déficits fiscais, o impacto sobre as taxas de juros e câmbio poderia tornar um default concebível -seja por meio da inflação ou ainda mais diretamente. Mas isto ainda parece extremamente improvável.
Em seu novo Relatório de Estabilidade Financeira Global, o Fundo Monetário Internacional reestimou as perdas com os empréstimos americanos em US$ 425 bilhões e as perdas com o marcar a mercado na dívida federal com hipotecas, dívidas do consumidor e das corporações a US$ 980 bilhões, em um total de US$ 1,405 trilhão, em comparação a US$ 945 bilhões em abril passado. Quanto disso será liquidado não se sabe. Poderia ser substancialmente menos. Mas se a economia mergulhar em uma profunda recessão, poderia ser consideravelmente mais. Mas, a esta altura, isto é "apenas" 10% do produto interno bruto americano.
Isso não é de forma alguma extraordinário para uma grande crise financeira. Além disso, perto de metade dessas perdas recairão fora dos Estados Unidos (as alegrias da diversificação de risco!). Então as perdas totais são de "apenas" 5% do PIB europeu e americano combinados. E uma parte do total já foi paga, ao se levantar cerca de US$ 430 bilhões em capital adicional (em termos que são em grande parte catastróficos para os acionistas).
Contra isto, quatro preocupações devem ser registradas: primeiro, perdas adicionais são prováveis em dívidas hipotecárias domésticas européias já contraídas e como resultado da desaceleração econômica já em andamento; segundo, os países com sistemas bancários excepcionalmente grandes e endividamento doméstico excepcionalmente alto poderão encontrar fardos fiscais mais pesados; terceiro, o setor bancário também precisa de capital extra, para compensar o colapso do chamado setor bancário "paralelo"; e, finalmente, o setor também precisa ser substancialmente melhor capitalizado.
Observadores informados sugerem que US$ 1,5 trilhão em capital adicional pode ser necessário por essas razões. Logo, dobre isto e presuma que tudo venha do Estado: ainda seriam "apenas" 10% do PIB europeu e americano. Se a taxa de juros real, fosse de 2%, isso representaria um aumento permanente nos gastos públicos de 0,2% do PIB. Além disso, isso não seria uma exigência extra por recursos. Seria um reconhecimento de erros do passado: uma parte do que as pessoas achavam que seriam empréstimos privados e que se transformaram em gastos públicos. Coisas realmente acontecem!
Quase todos os governos ocidentais devem ser capazes de escapar ilesos com o que estão fazendo. Mas alguma ajuda poderá ser necessária para os vizinhos fracos, notadamente na Europa central e oriental.
Se este relativo otimismo provar ser justificado também dependerá da severidade da recessão. No mais recente Panorama Econômico Mundial, o FMI poderia ser melhor descrito como preocupado, mas não apocalíptico: a previsão é de que as economias avançadas cresçam 0,5% em 2009, com os Estados Unidos a 0,1% e a zona do euro a 0,2; e os países emergentes deverão crescer 6,1% no próximo ano, com a Ásia em desenvolvimento a 7,7%. No geral, a produção mundial, com taxas de câmbio de mercado, deverá crescer a 1,9% em 2009, uma queda em comparação a 2,7% em 2008 e 3,7% em 2007.
É fácil contar uma história bem pior, com novos colapsos nos preços dos ativos destruindo a confiança e também gerando grandes reduções no consumo e investimento. Mas também é fácil contar uma história melhor: a queda no preço dos commodities liberta os bancos centrais da necessidade de adoção de políticas monetárias agressivas, acelerando a recapitalização dos bancos, ajudando a sustentar o crédito e minimizando as chances de um grande salto nos preços dos ativos em meio a sua queda necessária.
Os governos ocidentais decidiram empregar todos os seus vastos recursos em seus setores financeiros danificados. Ainda virá uma boa dose de dor. A certa altura uma nacionalização parcial das finanças deverá ser substituída por uma privatização e melhor regulação. Mas a maré desta crise já mudou.
*Comentários do secretário assistente interino para estabilidade financeira, Neel Kashkari, perante o Instituto de Banqueiros Internacionais, 13 de outubro de 2008, www.treas.gov
Tradução: George El Khouri Andolfato
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