No curto século 21, China e ruína causada pela finança mudam relações de poder velhas de mais de 200 anos
A gente hoje dá de barato o poder e a força econômica da China, como se a importância chinesa fosse tão evidente e antiga quanto uma pirâmide egípcia. Mas o elefante chinês entrou na sala faz pouco tempo.
Foi mais ou menos na época em que parecia triunfante o que a esquerda chama de "neoliberalismo".
Foi na mesma época em que os Estados Unidos espalhavam exércitos pela Ásia. Quando americanos e europeus espezinhavam os "emergentes" a dizer que, sem abertura comercial e "reformas" (as deles), iríamos à breca. Isso ainda após o fracasso das reuniões da OMC de Seattle (1999) e Gênova (2001) e da derrota midiática que a rua impôs à ideia de liberalização comercial.
Era então a época em que a maioria dos economistas-padrão se congratulava pela sua ciência, que fora capaz de produzir o que seria chamado de "grande moderação" (flutuação econômica menos violenta, menos inflação, mais crescimento).
A moderação era uma bolha e em parte uma fraude; a inflação baixa e os fundos para a bolha da "estabilidade" vinham da China.
No ano 2000, a economia da China equivalia à da Itália; era algo menor que a da França (com o PIB medido em dólares correntes, na taxa de câmbio nossa de cada dia).
Se considerado o poder de compra relativo de cada moeda, a China já era então o dobro da França ou da Itália. Mas então a gente não se dava conta do tamanho chinês.
Muitos sábios diziam que o milagre chinês era bolha, "insustentável", que o país nem teria tempo de posar de novo Japão, que continua rico, mas estagnou e abdicou de suas aspirações de predominância mundial lá no início dos anos 1990.
Índia e China equivaliam a 10,8% da economia mundial em 2000. Os europeus do G7 (Alemanha, França, Reino Unido e Itália), a 15,5% (à medida que leva em conta o poder de compra relativo das moedas, em dólares "PPP").
Índia e China deverão terminar este ano com 20,8% do PIB mundial, ante 11,6% dos europeus. O trio Brasil, China e Índia supera o duo anglo-saxão, EUA e Reino Unido.
De 2000 a 2012, a economia chinesa terá crescido uns 247%. A indiana, 147%. A brasileira, meros 57%, mas à frente dos 26% dos EUA, dos 18% de França e Alemanha. Dos 11% do Japão, dos 6% da Itália.
Os EUA estancaram o terrorismo, mas não puseram ordem no Iraque. Os exércitos ocidentais dão o fora do Afeganistão por estafa, inépcia, fracasso e falta de dinheiro. Mesmo para derrubar ditaduras no norte da África quase faltou poder de fogo às forças aéreas da Europa.
A finança ainda manda no mundo, mas o mercadismo desmoralizou-se como ideologia.
Morreu a Alca, a área de livre comércio das Américas. Note-se que, ainda em 2002, os americanos diziam ao Brasil que, sem Alca, teríamos [email protected] comerciar com a Antártida.
Desde 2000, porém, o comércio entre Brasil e China cresceu 33 vezes (para US$ 77 bilhões) e superou os negócios entre Brasil e EUA (US$ 59,7 bilhões, dados de 2011).
Sim, nós aqui queremos consumir tanto quanto e como os americanos. Sim, é melhor ser infeliz em Paris. Sim, a ditadura chinesa é repulsiva.
Não se trata disso aqui. Mas de dizer que a China virou o mundo do avesso em uma década -a China era o bug do milênio, do ano 2000. Ou enfim eles vão quebrar?
FONTE: FOLHA DE S. PAULO