A 4ª vaga de Democratização?
Política

A 4ª vaga de Democratização?


No momento em que escrevo este artigo, Mubarak ainda se mantém no poder. De qualquer modo, os acontecimentos no Egipto têm-se precipitado de tal forma que não seria de estranhar que hoje, sexta-feira, alterações grandes já tivessem ocorrido. A impressionante pressão popular a que está a ser sujeito o regime autoritário com mais de 30 anos promete não deixar nada como dantes. O regime até pode sobreviver a curto prazo, mas as suas bases parecem seriamente danificadas para resistir ao tempo que passa.

As expectativas e holofotes internacionais que agora estão centrados no Cairo não acontecem por acaso. A queda de ditaduras e a tentativa de implantação de democracias pode de facto ser algo muito contagioso.A forma como a revolução tunisina se fez sentir na região envolvente, mas não só, demonstra isso mesmo. Esta propagação, contágio ou efeito dominó (como preferirem) é um dos factores que está na base das chamadas vagas de democratização, fenómeno significativamente estudado no âmbito da Ciência Política.

A título de exemplo, a conhecida terceira vaga de democratização teorizada por Samuel Huntington começou em 1974 em Portugal e alastrou-se nos anos seguintes a Espanha, Grécia, América Latina e Europa Central e de Leste. O último quarto do século XX foi nitidamente marcado pela referida vaga. Segundo Huntington (TheThird Wave, 1993: 26), existiam 30 Estados democráticos em 1973. Em 1990, passaram a ser 59. Claro que podemos discutir o grau de consolidação das referidas democracias, mas o que é facto é que em poucos anos o número de regimes democráticos ou com fortes contornos democráticos duplicou.

Importa igualmente distinguir duas dimensões centrais. A queda de um regime autoritário é apenas a primeira fase necessária para se dar início a um processo de transição para a democracia. O sucesso deste processo, que envolve uma série de outros desafios (primazia do Estado de Direito, respeito pelas liberdades fundamentais, realização de eleições livres), é naturalmente incerto.

Tal como já tem sido bastante discutido nos últimos dias, a queda de Mubarak assumiria um simbolismo gigantesco em toda a região, podendo impulsionar um formidável efeito dominó de colapso de regimes autoritários. Por outro lado, afastados alguns fantasmas do fundamentalismo islâmico, parece claro que é sobretudo o desejo de democracia que está a mover a onda de oposição ao regime. É certo que profetizar que uma 4ª vaga de democratização poderá nos próximos anos varrer o Magrebe e o Médio Oriente não passa disso mesmo, de um misto de desejo e futurologia. De qualquer modo, são também estranhas misturas como esta que ajudam as coisas a acontecer.

Artigo publicado ontem no Esquerda.net
(Imagem: UDFL)



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