Política
A arte de nosso tempo - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 23/09
É que assim são as coisas, na vida como na arte: fruto das probabilidades que se tornam ou não necessáriasUma leitura possível da história das artes visuais -de que resultaram as manifestações contemporâneas- identificará a invenção da fotografia como um fator decisivo desse processo.A crítica, de modo geral, há muito associa ao surgimento da fotografia a mudança da linguagem pictórica, de que resultou o movimento impressionista.É uma observação pertinente, desde que se tenha o cuidado de não simplificar as coisas, ou seja, não desconhecer a existência de outros fatores que também influíram nessa mudança. Um desses fatores foi a descoberta da cor como resultante da vibração da luz sobre a superfície das coisas.Noutras palavras, o surgimento do impressionismo -que constituiu uma ruptura radical com a concepção pictórica da época- estava latente na pintura de alguns artistas de então, como, por exemplo, Eugène Delacroix e Édouard Manet, que já anunciavam a superação de certos valores estéticos em vigor. Não resta dúvida, no entanto, que a invenção da fotografia, por tornar possível a fixação da imagem real com total fidelidade, impunha o abandono do propósito de conceber a pintura como imitação da realidade.Se tal fato não determinou, por si só, a revolução impressionista, sem dúvida alguma libertou a pintura da tendência a copiar as formas do mundo real e, assim, deixou o pintor livre para inventar o que pintava.Pretendo dizer com isso que, se a cópia da realidade, pela pintura, se tornara sem propósito, isso não implicaria automaticamente em pintar como o fez Monet, ao realizar a tela "Impression, Soleil Levant", que deu origem ao impressionismo. Poderia ter seguido outro rumo.Mas, se o que nasceu naquelas circunstâncias foi a pintura impressionista, houve razões para que isso ocorresse. E essas razões, tanto estavam implícitas na potencialidade da linguagem pictórica daquele momento, como no talento de Monet, na sua personalidade criadora. É que assim são as coisas, na vida como na arte: fruto das probabilidades que se tornam ou não necessárias.A verdade, porém, é que, se não houvesse surgido uma maneira de captar as imagens do real de modo fiel e mecânico, o futuro da pintura (e das artes visuais em geral) teria sido outro. A pintura, então, livre da imitação da natureza, ganha autonomia: o pintor então podia usar de seus recursos expressivos para inventar o quadro conforme o desejasse e pudesse.Como consequência disso, não muito depois, nasceram as vanguardas artísticas do século 20: o cubismo, o futurismo, o expressionismo, o dadaísmo, o surrealismo -todos eles descomprometidos com a imitação da realidade.Mas essa desvinculação com o mundo objetivo terá consequências: a liberdade sem limites levará, de uma maneira ou de outra, à desintegração da linguagem artística, particularmente a da pintura.Os dadaístas chegam a realizar quadros mais determinados pelo acaso do que por alguma qualquer intenção deliberada do autor. E se a arte podia ser fruto de tamanha gratuidade, não teria mais sentido pintar nem esculpir. O urinol de Marcel Duchamp é resultado disso. Por essa razão, ele afirmou: "Será arte tudo o que eu disser que é arte". Ou seja, tudo é arte. Ou seja, nada é arte.Por outro lado, a fotografia, que nasceu como retrato do real, foi se afastando dessa condição e, como a pintura, passou também a inventá-lo. Por outro lado, ela ganhou movimento e se transformou em cinema, que tem como principal conquista a criação de uma linguagem própria, totalmente distinta da de todas as outras artes.Cabe aqui uma observação: a pintura não apenas fazia o retrato das pessoas, como também mostrava cenas da vida, como as ceias, os encontros na alcova, as batalhas, os idílios etc. Quanto a isso, mais que a fotografia, o cinema criou, com sua linguagem narrativa, um mundo ficcional, que nenhuma outra arte -e tampouco a pintura- é capaz de nos oferecer.A meu ver, o cinema, superando o artesanato, é a grande arte tecnológica, que criou uma linguagem própria -condição essencial para que algo seja considerado arte-, geradora de um univewrso imaginário inconfundível, de possibilidades inesgotáveis, sofisticado e ao mesmo tempo popular. O cinema é, sem dúvida, a arte de nosso tempo.
loading...
-
A Magia Da Figura - Ferreira Gullar
FOLHA DE SP - 11/08 A figura quase desapareceu da arte, porque virou mancha ou foi substituída pela própria coisa Já no começo do começo, a arte tinha duas faces: uma figurativa e outra não figurativa ou decorativa, sendo que a primeira expressava...
-
Beleza Ainda Põe Mesa - Ferreira Gullar
FOLHA DE SP - 21/07 Como a vida, a arte também não basta: tem que mudar para nos suscitar novas sensações e descobertas Arte sempre teve a ver com beleza, mesmo quando, aparentemente, mostra o feio, o horrível, o abjeto. Não é fácil explicar...
-
Quanto Mais Livre, Mais Arbítrio Ferreira Gullar
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/05/11 No livro "O Roubo da Mona Lisa" (ed. Campus), Darian Leader levanta uma série de questões relacionadas com a criação artística a partir desse fato inusitado que chocou o mundo artístico. O roubo ocorreu...
-
Ferreira Gullar A Obra Necessária
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/03/11 A obra tem que, por sua qualidade, afirmar-se necessária a quem a aprecia. Aí reside o xis da questão SE É verdade, como tenho dito, que a arte só revela a realidade inventando-a, devo logicamente admitir que as pessoas...
-
Ferreira Gullar A Pouca Realidade 2
A arte contemporânea caracteriza-se não por reinventar a realidade e, sim, mostrá-la NA CRÔNICA aqui publicada no dia 7 deste mês, disse que a próxima Bienal de São Paulo teria o propósito de nos mostrar aspectos da realidade política e social,...
Política