O GLOBO - 16/09
Marta Suplicy é a nova ministra da cultura. E daí? Marta já foi prefeita de São Paulo, já foi deputada federal, já foi senadora, já foi ministra do Turismo, já foi até titular de um pioneiro quadro sobre sexologia num programa matinal de televisão. Mas nunca exerceu cargo menos importante do que o que alçou agora substituindo a cantora Ana de Hollanda.
A pasta da cultura é tão pouco importante que a presidente Dilma a usa como moeda de troca. É algo assim como o Ministério da Pesca. "Estamos precisando agradar quem? Dá a Pesca. Ou a cultura." O PT acha fundamental a participação de Marta na campanha de Haddad em São Paulo. Não custa nada dar em troca um ministério sem importância.
Pena que foi a cultura. Certamente havia outros ministérios disponíveis (a Pesca já tinha sido usada). O que não falta no governo de Dilma é ministério. São 24! Duvido que, quando a presidente organiza uma reunião ministerial, ela saiba o nome de todo mundo em volta da mesa (imagino o tamanho da mesa!). "Como é o nome daquele ali mesmo?", deve se perguntar quando encontra toda a equipe reunida.
Marta Suplicy teve, pelo menos, a humildade de admitir que não sabe o que vai fazer no cargo (e quem é que sabe, Marta? Quem é que sabe?). Ninguém imaginava mesmo que ela soubesse. Na própria família, ela é a menos envolvida com o assunto. Os filhos, João e Supla, são, respectivamente, cantor e jurado de TV. O marido é dublê de senador e intérprete do repertório de Joan Baez. Os integrantes do PT que justificam sua indicação lembram que ela é administradora competente. Alguém se lembra de sua administração como ministra do Turismo? Pois é.
Mas muito pior do que está é difícil ficar. Ana de Hollanda tem uma personalidade introspectiva, pouco adequada ao cargo. Tinha também facilidade para cometer gafes e, depois de um ano e nove meses no cargo, não deixou de herança uma só frase memorável. Talvez, no futuro, alguém se lembre que foi durante sua passagem pelo ministério que a ANCINE conseguiu aprovar a legislação que obriga a exibição de duas horas e meia de programação nacional diária no horário nobre da TV paga. Não tenho certeza se isso é bom ou ruim. Mas tenho certeza de que essa lei sairia mais cedo ou mais tarde com Ana de Hollanda ou qualquer outro na pasta da cultura. Ela tem tudo a ver com a política protecionista de Dilma. A programação nacional na TV paga está para a cultura assim como a taxação na importação de batata está para a agricultura. A cultura, para o governo, é uma batata podre na xepa da feira livre.
Foi isso que Marta ganhou, em troca de sua adesão à campanha de Haddad pela prefeitura de São Paulo: uma batata podre. Ministros passam. E passam mais rapidamente ainda quando são da área da cultura. O mesmo vale para seus equivalentes em governos de estados e prefeituras. Houve um tempo em que a secretária de cultura aqui do Rio era a todo-poderosa Helena Severo. Alguém sabe que fim levou? Era tão poderosa que seu nome era sempre lembrado pelas colunas de notícias para substituir algum ministro da área que tivesse caído em desgraça (ministros da cultura estão sempre caindo em desgraça). Helena Severo e Aspásia Camargo eram as suspeitas de sempre. Helena sumiu, e Aspásia está aí no papel de garota-propaganda de Eduardo Paes no horário eleitoral gratuito.
Não deixa de ser simbólico que, no mesmo dia em que saiu nos jornais a queda de Ana de Hollanda, tenha sido noticiado também um princípio de incêndio no depósito da Biblioteca Nacional. É esse o estado em que encontram os equipamentos culturais do ministério. Se Marta Suplicy já tivesse tomado posse, a gente sabe o que ela iria dizer: "Relaxa e goza."